sexta-feira, 26 de março de 2010

Aconteceu...que apareceu

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Como não esperava que o jovem Leandro que se atirou ao Rio Tua aparecesse com vida, foi com alívio que soube que o corpo tinha sido encontrado.
São imensas as histórias que conhecemos de pessoas de quem apesar de certamente mortas, o corpo nunca apareceu. Conheço até algumas famílias que durante anos receberam telefonemas silenciosos em dias especiais, como o aniversário ou o Natal, o que as fez ter sempre a ilusão de que o desaparecido não morreu e manter viva a esperança de um dia o poderem abraçar.
O aparecimento do corpo e as cerimónias de culto habituais, sejam elas quais forem, são importantes para se poder iniciar o trabalho de luto.
Que será sempre incompleto, quando se trata de um filho.
Como dizia uma mãe a quem morreu um filho, numa definição muito correcta, é uma doença crónica com a qual se terá de viver para sempre.

quarta-feira, 24 de março de 2010

Poema - Alberto Pimenta

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CIVILIDADE
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não tussa madame
reprima a tosse

não espirre madame
reprima o espirro

não soluce madame
reprima o soluço

não cante madame
reprima o canto

não arrote madame
reprima o arroto

não cague madame
reprima a merda

e quando estourar
que seja devagarinho
e sem incomodar, ok madame?

ok, monsieur.

terça-feira, 23 de março de 2010

Aconteceu... que eu tive um Titi

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..."Uma vez, enquanto o velho Selim observava o céu em busca de inspiração, reparei, para minha grande surpresa, que perdera os dentes, com excepção de um único, espetado, como um turbante, na gengiva inferior. Explicou-me com muita propriedade, que aquele dente garantia o equilíbrio das suas composições caligráficas, pois era nele que apoiava a língua enquanto trabalhava."...
in " A Noite dos Calígrafos" de Yasmine Ghata
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O Titi tinha sempre a língua ao canto da boca quando tocava piano, o que fazia muitas das vezes que eu o via. Entrava em casa da Mãe, minha Avó, e pouco tempo depois já estava ao piano, conosco à sua roda, atentos e espectantes, muitas vezes com movimentos ritmados das cabeça ou das mãos acompanhando as melodias que dos seus dedos compridos iam saíndo enquanto afagava as teclas.
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Muitas vezes chegava e tirava do bolso um caderninho de capa laranja onde tinha escrito umas notas. Acontecia que quando ia no carro e ouvia uma música que gostava, encostava ao passeio e com o seu ouvido puro tirava umas notas que, em casa, lhe iriam permitir reconstruir a melodia.
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Outras vezes, no fim dos almoços de família, fazia escalas com os copos, acrescentando ou retirando líquido de modo a obter o tom desejado. Eu tentava sempre ajudá-lo, diziam que eu tinha bom ouvido, mas nada como o dele, inegualável. Depois com uma faca fazia música escolhendo qual o copo onde bater. Às vezes lá se partia um copo mas a Avó não se zangava, a festa era mais que compensadora.
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O Titi em criança dizia que queria ser Faz-tudo. Tinha uma enorme admiração pelo circo e pelos palhaços. Retirei benefício deste seu gosto e herdei-o, porque enquanto solteiro, levava-me sempre com ele. No intervalo do espectáculo parece-me que me lembro que me levava a cumprimentar o Luciano, um dos faz-tudo do Coliseu, na altura.
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Ao ler do velho Selim, lembrei-me das inúmeras vezes que lhe tentei tocar na língua com o meu dedo, enquanto ele tocava piano. Tentava afastar a cabeça, recolhia por breves instantes a língua e o resultado era que se enganava sempre. Mas nunca se irritava comigo.
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Todas as crianças deviam ter um Titi, assim como um Lugar ou uma aldeia. Faz parte das necessidades do crescimento que deixa recordações saborosas e doces.

segunda-feira, 22 de março de 2010

Aconteceu... Maquinim, objecto de poesia espacial

.........................Mobile em aço inoxidável - Salette Tavares

domingo, 21 de março de 2010

Aconteceu...hoje, Dia Mundial da Poesia

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Sabia que hoje, Dia Mundial da Poesia, o CCB tinha um dia de actividades ligadas à poesia; sabia que este ano a Poetisa Salette Tavares iria ter um espaço de exposição e leitura de poemas seus.
O que não fazia a mínima ideia, quando esta manhã postei o poema "O Bule", é que de tarde o iria ouvir dito pela Ana Hatherly. Foi sublime!

Poema - Salette Tavares

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O BULE
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Bule bule bule bule bule bule bule

a palavra parece a água a borbulhar

bule bule bule bule bule bule bule

a água a ferver.

Bule bule bule___o bule aquece o bule bule

deita-se o chá e o bule bule bule bule

bule bule bule vezes sete deita-se a água

bule bule bule bule a água a ferver

bule bule bule ____ o bule serve o chá.

Beber ____ é matar _____a sede.

Bule bule bule bule bule bule bule

Beber ____ é o acto sagrado_____de matar

a sede. Bule bule bule bule o bule é o receptáculo

escuro _____________________da morte.

Bule bule bule bule ______o bule é o tabernáculo.

O bule não é o copo _______bule bule bule bule

o copo é o receptáculo claro _____________da morte

da sede._Mas o bule é divino_____________e raro.

Escuro ______o bule

bule bule ____ o chá é divino e puro.

Sabedoria. Bule bule bule bule bule

Faço a cerimónia do chá cinco vezes por dia.

O bule está quente.

O bule está morno.

O bule está frio.______Sophia!

As mãos acompanham em concha

o bojudo do bule companheiro… bule bule

bule bule bule __todo o dia.

As tisanas são assunto ____da Ana

Hatherly.

Bule bule bule bule bule bule bule

com asa e bico bule bule bule bule

o bule é a ave do espírito _______santo

em si.

Garça_pato_cisne_cegonha_avestruz

conforme o bule o pescoço varia

e produz bule bule bule bule

uma chávena de Universo

inteiro.

O bule é o sacrário________por isso

Beber chá é beber ___ a noite e o dia

é sorver bule bule ___ o enigma primeiro.

O bule cheio bule ____é o ventre relicário

do chá ____bule ____ meu néctar

verdadeiro bule bule bule bule claro

meu alimento bule bule bule __caro.

Bule bule bule bule bule bule bule.

_______________BULE.