(...) Sabe Deus, pensei, se alguma vez mais valeria a pena voltar a procurar emprego. Recusas, meias promessas, meros e secos "nãos", expectativas alimentadas e destruídas, novas tentativas, tudo acabara em nada e fizera com que eu tivesse perdido o ânimo. Por fim, requeri um lugar como cobrador de dívidas, mas cheguei demasiado tarde, além disso não teria podido arranjar cinquenta coroas, para depositar como fiança. Surgia sempre qualquer obstáculo. Também me candidatei à corporação de bombeiros. Estávamos cinquenta homens num átrio e enchíamos o peito para darmos a impressão de força física e valentia. Veio um funcionário fazer a inspecção a todos os candidatos: apalpou-lhes os braços e fez-lhes uma ou outra pergunta. Contudo, por mim limitou-se a passar, abanando a cabeça e disse que estava excluído por usar óculos. Voltei lá sem óculos, perfilei-me, franzi as sobrancelhas e dei aos olhos uma expressão acutilante, mas o homem voltou a passar por mim e sorriu. Tinha-me reconhecido. O pior de tudo era que a minha roupa começava a ficar num estado tão lastimável que eu já não podia apresentar-me onde quer que fosse como uma pessoa decente. (...)
Este trecho, escrito por Knut Hamsun e publicado pela 1ª vez em 1890, é actual e poderia ter sido escrito hoje. Hélas!