sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Aconteceu...que as formigas não eram almas do outro mundo

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Sentada à minha secretária, vejo um risco preto, oblíquo, móvel, que vai do chão até à janela. É um enorme carreiro de formigas.
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Aconteceu-me há uns anos uma situação caricata que vou relatar. Estava numa consulta a conversar com os pais de um rapaz que tinha umas alterações do pensamento e da percepção, via umas coisas que só ele via, e que o estavam a deixar perturbado e à família também. Acontece que pai e mãe tinham compreensão distinta da situação. Para a mãe, o filho estava doente, para o pai, homem rural, estava possuído e nem percebia que valesse a pena a consulta.
Por hábito, aceito sempre, inicialmente, as opiniões dos pais, e interesso-me por elas. Por isso estávamos a ter uma conversa sobre esses assuntos exotéricos, de almas, bruxedos, relacionadas com a cultura e a vida do pai.
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Lembro-me bem que foi o primeiro dia de frio desse ano, pelo que, a certa altura me levantei e arrastei o aquecedor para mais perto de nós.
Quase em simultâneo se vê um objecto estranho que estava debaixo do aparelho, branco e coberto de coisas minúsculas pretas que se puseram em movimento e encheram e coloriram de preto parte da parede. Não era um carreiro, era uma enorme mancha difusa, milhares de formigas, uma coisa como eu nunca tinha visto.
Abri a porta e um chamei com urgência, quiçá um pouco alvoroçada, uma auxiliar, que veio e trouxe um spray dizimador. Pais e eu aguardamos o fim da operação em pé para continuar a consulta.
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E não sei se por hábito com as aflições do marido "crente", se por alguma inquietação minha, a mãe tocou no meu braço, agarrou-me e disse-me "Calma doutora, são só formigas!".
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E eu fiquei. Mas parece que preciso outra vez do spray.

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