A minha Avó Elvira ...
Lutando contra o progresso tecnológico, é na casa dela, em Lisboa numa perpendicular à Avenida Fontes Pereira de Melo, que com 2 empregadas, a de fora e a cozinheira, me lembro de ver a manteiga numa tigela de água com uma espátula fininha dentro. De ver o peixe a salgar e depois de molho para o dessalgar. Não queria o frigorífico.
Não teve durante muito tempo fogão a gás quando já todos tinham. Na lareira da cozinha estava um lindo fogão de ferro, que ladeando o forno, tinha umas gavetas altas e salientes em latão com torneiras em baixo onde havia sempre água quente. Dava um trabalhão este fogão, e coitadas das criadas, como eram chamadas, tinham de o pôr a brilhar com solarine "coração" todos os dias antes de se deitarem. Funcionava a briquetes de carvão.
É da casa dela que me entra pelas narinas da memória o cheiro à roupa passada a ferro de carvão.
Até que a certa altura, por insistência dos filhos, passou a ter frigorífico, fogão a gás canalizado, ferro eléctrico e outras coisas modernas.
Inicialmente com alguma desconfiança ...
E com os produtos alimentares, exigente, tudo fresco, quer da horta quer do mar, frango e coelho de capoeira, fruta só da época e assim por diante.
Conforme o progresso avançava, começou a achar menos gosto aos grelos, às batatas do merceeiro, à carne cujos animais tinham sido alimentados também com farinhas, dizendo "já quase não sabem a nada!". Nunca me lembro de a ouvir queixar do sabor do peixe.
Mas perante tanta modernice, como classificava algum progresso, exclamava no seu tom afirmativo, alto e teatral "Ainda um dia havemos de comer plástico!"
Ela não comeu, morreu antes disso.
Mas hoje, quando li no jornal Público* "Pela primeira vez, estudo quantificou e caracterizou microplásticos encontrados em fezes humanas", mais do que a preocupação, claro que existe, deu-me uma saudade enorme dela! Infelizmente a sua profecia cumpriu-se.
*Jornal Público, 24 Out 2018 p. 27