sábado, 4 de maio de 2013

Aconteceu...a frieza dos portugueses da Europa

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Passear à beira mar em Ipanema ou Copacabana é também passar por vendedores de roupa de praia, bijouterie e outras coisas, que ocupam parte desses passeios largos com calçada portuguesa (1). 
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Passei por ali. Ia só e fui deitando um olho aos expositores colocados no chão. Parei várias vezes olhando com mais cuidado algum objecto que me chamou a atenção.
Foi o que aconteceu junto de um artesão de rastas castanhas e loiras que ali fazia as suas peças, colares, brincos, anéis. Sentado no chão, com um fio de metal e o alicate ia dando forma a uma espiral. Parei e olhei para o mostruário estendido sobre um pano. Do you speak english, perguntou. Português, respondi. Então esteja à vontade, pegue para ver melhor. Agradeci mas avisei que não ia comprar nada, estava só a ver por isso não ia mexer. Ele ficou um pouco irritado e perguntou porque nós, "os portugueses da Europa" éramos tão distantes, tão frios. Olhei-o surpreendido e ele continuou, que sendo ele o artista, não era só a venda que lhe interessava, mas também a apreciação do seu trabalho. Eu podia mexer, perguntar coisas como se faz, dar opinião, mas ficar só a olhar em silêncio era "muito frio dêmais". Que na verdade não nos interessava o seu trabalho.
Apanhada de surpresa, terei balbuciado duas ou três palavras, despedi-me e continuei o meu passeio sem "pegar" em nada. Mas a pensar no que ele me tinha dito.
Na volta passei outra vez junto dele, sorri-lhe e ele fez com a mão uma grande saudação e um rasgado sorriso, como se fossemos conhecidos de há longa data.
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Embu-das-Artes é uma pequena cidade do Estado de S. Paulo que todos os sábados é transformada numa grande venda de artesanato. Objectos feitos de madeira, barro, pele de peixe (!), tecido, cabaça, quadros, bijouterie e até jóias. Aqui não fui sozinha, acompanhou-me a minha prima Elisa, nascida em Portugal mas a viver no Brasil desde pequenina e a Ivone, uma amiga brasileira.
Vejo-as parar, comentar, mexer em muita coisa. Numa banca de jóias de prata com pedras brasileiras, pararam e a artesã que estava sentada levantou-se. A Elisa perguntou se era ela que fazia, qual o material usado, comentou coisas simples como "olha só este, quê bonitjinho"mas acrescentou que não ia comprar, estava só a admirar o trabalho. A senhora deu um grande sorriso, que isso não tinha importância, disse ela. Só dar umas palavrinhas já era bom, porque ali sozinha e calada durante horas era muito aborrecido. Posto que seguimos para outra.
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O ano passado expus umas peças de joalharia numa exposição realizada no meu antigo liceu, por altura do seu 60º aniversário. Praticamente não saí de perto do expositor, encostada à parede mais próxima. Muita gente passou e afastou-se sem uma palavra. Outras pararam, comentaram, algumas elogiaram. Só duas se interessaram pela eventual aquisição (nenhuma era para vender).
Esta experiência podia ter-me servido para saber como é agradável a atenção que dão ao nosso trabalho e os comentários, interessando-se pela técnica ou pelo design ou simplesmente entusiasmando-nos a continuar. Mas não,  por feitio reservado ou falta de empatia para com os outros artesãos, parece que tudo esqueci. Suponho que aquele "rastas" me ensinou muito mais que a experiência que eu já tinha vivido. 

(1)http://pedracalcada.blogspot.com.br/2008/12/ave-de-arribao.html

terça-feira, 23 de abril de 2013

Acontece...Margarida também é uma flor

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A rua era feia, mas o nome é bonito.
Assim se chamava a minha Mãe.

                                Foto - Magda

terça-feira, 19 de março de 2013

Aconteceu...Pai, só no meu pensamento existes enquanto tal

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Olá Pai
Chego onde chegar hoje só vejo falar de Pai, seja nas televisões, jornais ou redes sociais como o facebook. Isto não sabes o que é, quando eras vivo não havia e os computadores eram umas caixas gigantes que só os bancos tinham. Faziam muito barulho, estavam ao ar livre e vocês, tu e a Mãe, que tiveram esses monstros no pátio do prédio vizinho, tiveram de pôr janelas duplas, melhor vidros duplos, para conseguirem dormir. Eram do SottoMayor, olha já não existe, foi fundido com outros e nós temos sido f-didos por eles todos. Não, não vou entrar por aí, tinha de te explicar tanta coisa para tu entenderes o que nos está a acontecer... Pois, longe vai o tempo em que te vi, já doente e à Mãe, fazer a pé o cortejo do funeral dos vossos amigos Pedro Soares e Maria Luísa Costa Dias...mas também não te queria falar disto. Também não vou falar de quanto fora de tempo viveste, quer no aspecto artístico quer no avanço técnico da medicina.
Quero só dizer que me lembro de não deixares festejar este dia lá em casa, o chamado Dia do Pai. Dizias e eu achava horrível, que muitos filhos não sabiam quem era o pai. Pois não, reconheço agora, mas também sei que a bem da saúde mental todos têm direito a ter um pai e se não for o biológico será outro, um afectivo. Sem isso dentro da criança morre uma parte e arrastará esse sentimento de falha pela vida fora. E mais grave, com maior dificuldade saberá ser pai ou mãe "good enough", alterando um pouco mas parafraseando Winnicott. 
Um beijo para ti, em pensamento. Sei que só nele, no meu, existes enquanto tal.

terça-feira, 5 de março de 2013

Acontece...que aprendi há anos que havia o "chuto" da mulher a dias

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Foi no início do meu trabalho em Lisboa. Alguns anos depois da escola, encontrei-a no hospital onde prestava serviço, eu médica e ela doente. Exuberante, ria em voz alta, esbracejava em movimentos largos, por onde passava era impossível não notar. Causava-me incómodo,   tínhamos tínhamos feito o liceu juntas, eu segui no caminho mais ou menos esperado, ela...
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Lembro-me bem, ela a descer as escadas com mais uns internados, todos do mesmo "ramo", seguiam todos os dias de narinas e boca bem abertas, as empregadas da limpeza que usavam para a lavagem das escadarias de madeira ,detergentes, amoníaco e diluentes. Aprendi na altura que se dizia que ali, incapazes de encontrar outro"produto", procuravam com aquela inspiração, obter o "chuto da mulher a dias".
Eu tentava ser transparente, de tão aflita que ficava. Mas embora me cumprimentasse, brevemente, o fim que procurava era mais forte e eu ficava mesmo uma insignificancia ali.
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Voltei a encontrá-la uns anos mais tarde, discreta, a trabalhar muito abaixo da sua formação. Noutro encontro, a sua exuberância voltou a preocupar-me. Não nos víamos muito. Eramos amigas virtuais em duas redes mas raramente sabia dela.
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Morreu hoje, soube esta tarde. É um périplo perigoso, às vezes imparável, vão-se as drogas entra o alcool, vai-se o fígado, por fim os outros orgãos. Vão se os colegas, os amigos, a família. E depois...
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Sofrem os próprios (admito que já tinham sofrido antes disto tudo), mas fazem sofrer os outros. Deixam marcas de sofrimento na família, nos filhos, nos netos que são filhos dos filhos... É a transgeracionalidade,  forma perigosa de perpectuar o sofrimento.
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Já se foi, não fiquei muito admirada, mas as imagens das escadas voltaram à minha memória...
 
 

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Aconteceu...piropo na cadeia, sem prisão

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O título desta fotografia é Piropo.
Català-Roca, fotógrafo espanhol (1922-1998) de quem eu nunca tinha ouvido falar até hoje, ao ir ver uma exposição dele no Centro Português de Fotografia do Porto.
Duas novidades num só dia, uma vez que este centro está situado na antiga Cadeia da Relação, recuperada pelos arquitectos Souto Moura e Humberto Vieira, onde eu também nunca tinha entrado.
Belíssimas obras, as fotografias e o espaço onde estão expostas! 
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Não sei qual foi o piropo que este homem lançou à mulher. Mas lembrei-me que há muito tempo soube de um que ao cruzar-se com uma mulher muito bonita mas muito pequenina segredou: Gosto, vou mandar ampliar.
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Ainda se dizem piropos? 

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Aconteceu...no meio de dias de chuva, haver um com sol


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Merece a pena uma visita ao Parque Almorol de Escultura contemporânea.
Um parque grande junto ao rio Tejo, em Vila Nova da Barquinha ganhou um prémio de arquitectura paisagista em 2007.

Verde muito verde pelo tapete, ao lado do azul das águas do Tejo, tem espalhadas várias esculturas de grande porte.
Elegi esta, de José Pedro Croft, 2012. Três paralelipípedos de aço, reflectem o exterior, árvores, relva, céu e o que mais ao seu alcance estiver. Embora estejam fixas, o reflexo varia. Nesta primeira, no céu um avião que passava deixando um rasto recto branco, ganhou curvaturas no aço.
Pela data da escultura, parece ser um parque que se vai construindo, acrescentando novas esculturas.
Muito bonito!

E para quem não leva pic-nic, umas enguias fritas com açorda de tomate ali num restaurante perto, foram um muito bom final.   

domingo, 3 de fevereiro de 2013

Poema - Manuel António Pina

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O PÁSSARO NA CABEÇA
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Sou o pássaro que canta
...
dentro da tua cabeça
que canta na tua garganta
canta onde lhe apeteça

Sou o pássaro que voa
dentro do teu coração
e do de qualquer pessoa
mesmo as que julgas que não

Sou o pássaro da imaginação
que voa até na prisão
e canta por tudo e por nada
mesmo com a boca fechada

E esta é a canção sem razão
que não serve para mais nada
senão para ser cantada
quando os amigos se vão

e ficas de novo sozinho
na solidão que começa
apenas com o passarinho
dentro da tua cabeça.