domingo, 28 de novembro de 2010

Aconteceu...criança pendurada por corda. E por associação Buster Keaton, Pamplinas.

.
Deu na televisão uma senhora a fazer descer pela parte exterior de um prédio pendurada numa corda, uma criança para ir, parece, apanhar uma peça de roupa que tinha caído à rua.
.
Esta geração conhecerá o Buster Keaton, conhecido por nós pelo Pamplinas? É um actor do cinema mudo, que nunca se ria acontecesse-lhe o que quer que fosse, supostamente cómico. Digo assim porque depois de saber a história pessoal dele, deixei de me poder rir.
.
Pamplinas foi uma criança maltratada pelos pais, artistas de circo, e que, para além de tareias, desde muito cedo o obrigaram a fazer exercícios perigosos e muito inquietantes para uma criança. Parece que era obrigado a fazê-los com um ar sério e acontecesse o que acontecesse assim deveria continuar.
.
Como actor de cinema, e era ele que fazia também a narrativa, escolhia sempre umas cenas que corriam mal, ridiculamente mal, daí o cómico. Nunca ria...nem chorava. Não expressava emoção nenhuma.
Nos filmes aconteceram quedas graves, com idas ao hospital e lesões extensas. Ele insistia em ser ele, o corpo dele, a fazer aquelas equilibrices, quedas e choques, alguns com traumatismos fortes, visto que chegou a entrar em coma. Nunca quis fazer de conta nem arranjar um duplo, era sempre ele.
.
A infância dele marcou profundamente a sua vida. Diríamos que houve uma compulsão à repetição do traumatismo, sem o conseguir resolver.
.
E à miúda do prédio, vão salvá-la dum futuro assim? Porque aquilo que filmaram são maus tratos, e aqui a televisão pode ter tido um papel importantíssimo!

sábado, 27 de novembro de 2010

Aconteceu...foto - Fim de tarde de Outono

.
...................................Foto - Magda

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Poema - Ruy Belo

.
AS IMPOSSÍVEIS CRIANÇAS
.
Nesta manhã de Outono dos primeiros frios
mais a caminho da velhice que da minha casa
eu vejo-vos em roda todas a cantar
Impossíveis crianças deixais-me brincar?

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Aconteceu...no século passado, ir buscar água na cantarinha

.
Era uma das poucas casas lá da aldeia com água em casa, não da companhia, que ainda não estava instalada, mas com um poço.
No pátio, espaço para onde a casa em L dava, lá estava ele, que não era bem poço, mas uma cisterna grande e larga para baixo, que nunca soube se tinha sido escavada na rocha ou se era mais uma gigantesca pia como as que há por aquelas bandas.
.
Cisterna porque recolhia a água das chuvas através de uma canalização montada nos telhados. No início das chuvas essas canalizações eram desviadas e as primeiras águas limpavam os canos. Só as seguintes já eram recolhidas.
Sei que era na Praça da Figueira ou ali perto que se compravam uns peixinhos que faziam da cisterna o seu mar e das impurezas da água o seu alimento.
Tinha uma tampa de folha (ferro?), e um balde com corrente que se mergulhava e puxava. Estava lá um engenho, desactivado, dos que se dava à manivela e a água escorria.
.
Logo de manhã cedo, as empregadas, que na altura se chamavam criadas, iam encher as várias bilhas, que ficavam na cozinha e na casa de banho, onde quer por cima do lavatório e da banheira redonda de folha, um depósito de água era cheio. E havia uma torneirinha que abrindo, deixava escorrer a água como se canalizada fosse.
E porque a cisterna era grande e a casa só temporariamente era usada, a água era distribuida a quem a não tinha e ali a queria ir buscar durante a nossa ausência.
.
Apesar deste "luxo" na casa da minha avó, o que eu gostava mesmo era de ir, descalça, com uma rodilha na cabeça onde apoiava um cantarinho, com as outras miúdas buscar água lá longe.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Poema - Herberto Helder

.
HÁ CIDADES COR DE PÉROLA ONDE AS MULHERES
.
Há cidades cor de pérola onde as mulheres
existem velozmente. Onde
às vezes param, e são morosas
por dentro. Há cidades absolutas,
trabalhadas interiormente pelo pensamento
das mulheres.
Lugares límpidos e depois nocturnos,
vistos ao alto como um fogo antigo,
ou como um fogo juvenil.
Vistos fixamente abaixados nas águas
celestes.
Há lugares de um esplendor virgem,
com mulheres puras cujas mãos
estremecem. Mulheres que imaginam
num supremo silêncio, elevando-se
sobre as pancadas da minha arte interior.

Há cidades esquecidas pelas semanas fora.
Emoções onde vivo sem orelhas
nem dedos. Onde consumo
uma amizade bárbara. Um amor
levitante. Zona
que se refere aos meus dons desconhecidos.
Há fervorosas e leves cidades sob os arcos
pensadores. Para que algumas mulheres
sejam cândidas. Para que alguém
bata em mim no alto da noite e me diga
o terror de semanas desaparecidas.
Eu durmo no ar dessas cidades femininas
cujos espinhos e sangues me inspiram
o fundo da vida.
Nelas queimo o mês que me pertence.
o minha loucura, escada
sobre escada.

MuIheres que eu amo com um des-
espero .fulminante, a quem beijo os pés
supostos entre pensamento e movimento.
Cujo nome belo e sufocante digo com terror,
com alegria. Em que toco levemente
Imente a boca brutal.
Há mulheres que colocam cidades doces
e formidáveis no espaço, dentro
de ténues pérolas.
Que racham a luz de alto a baixo
e criam uma insondável ilusão.

Dentro de minha idade, desde
a treva, de crime em crime - espero
a felicidade de loucas delicadas
mulheres.
Uma cidade voltada para dentro
do génio, aberta como uma boca
em cima do som.
Com estrelas secas.
Parada.

Subo as mulheres aos degraus.
Seus pedregulhos perante Deus.
É a vida futura tocando o sangue
de um amargo delírio.
Olho de cima a beleza genial
de sua cabeça
ardente: - E as altas cidades desenvolvem-se
no meu pensamento quente.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Aconteceu...já nem o cartucho de folha da lista telefónica se pode?

.
Um país asséptico, é o que se pretende?
.
Novembro, mês das castanhas. Um cheirinho sai do fogareiro da mulher que as tem a assar. Meia dúzia um euro, uma dúzia dois euros. Está tudo mais caro, mas aquele golpe na castanha antes de assar ou cozer é muito custoso de fazer. E assadas é na rua, quando o olfacto se liga com a memória e as glândulas salivares se põem a trabalhar.
Depois é o discurso do costume, saber se estão bem assadinhas, ó freguesa, isto está tão mau nas vendas que até já temos tempo de as assar bem. Ok, então dê lá aí umas, se faz favor. A mulher levanta a serapilheira, escolheu-as que eu bem vi, bem contadinhas e estende-me um cartucho de papel kraft pardo, desenhos de castanhas e com letras impressas:
.
........................Castanhas
...........A Estalar, Vindas da Brasa!!
........Delicie-se Com a Nossa Castanha
................Preserve o Ambiente
.
Reparo que o cartucho é duplo, do outro lado mas colado está um vazio. É para as cascas, explica-me. E nele está impresso:

.........................Castanhas
...................Mantenha a Tradição
.
Sinto-me defraudada. Estão a gozar conosco. Mas a tradição não era o cartucho bicudo, enrolado na mão e feito de páginas de lista telefónica?
E preservar o ambiente não é reutilizar?
Na Wikipédia pode ler-se "Papel kraft é um tipo de papel fabricado a partir de uma mistura de fibras de celulose curtas e longas, provenientes de polpas de madeiras macias..." Pense-se o resto.
.
Eu recebi esse mail que por aí circula e que mostra como a minha geração escapou aos maiores perigos! Não estava lá mas a tinta das listas telefónicas do cartucho com castanhas deve ser um deles.
..
Não há pachorra!