terça-feira, 21 de abril de 2020
38º dia de isolamento social (COVID-19)
Nas nossas ruas, ao anoitecer,
Há tal soturnidade, há tal melancolia,
Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia
Despertam-me um desejo absurdo de sofrer.
O céu parece baixo e de neblina,
O gás extravasado enjoa-me, perturba;
E os edifícios, com as chaminés, e a turba,
Toldam-se duma cor monótona e londrina.
(...) in O Livro De Cesário Verde
Cesário Verde morreu com 31 anos de tuberculose pulmonar, tal como dois dos seus irmãos.
Quando estudei medicina, nos anos 70, dizia-se perante algum doente cujo diagnóstico não era claro, que devíamos pensar "tuberculosamente". Havia em Portugal ainda muitos casos e nós sabíamos fazer o tratamento. Uma doença já muito esquecida no estrangeiro que muitas vezes nos pedia ajuda. Depois, com doentes perturbados e que não cumpriam o tratamento, o bacilo de Koch foi ganhando resistências e ficou mais difícil de se tratar.
Agora estamos com o Covid 19, que não sabemos como dominar. É um vírus, que nos está a manter em casa, com contacto com a família e os amigos pelas novas tecnologias. Ainda bem que as há!
Hoje falei 30 minutos com o meu neto V. em francês, disciplina em que teve 3. E estou a conquistá-lo, depois de alguma relutância quando lhe propus, agora sou eu que tenho de dizer que vamos acabar. Conversamos de coisas que lhe interessam, ontem uma série da Netflix sobre uma prisão injusta, hoje sobre um documentário sobre uma surfista a quem um tubarão comeu um braço. E, como sempre que falamos com alguém, estou a aprender coisas que não sabia.
E mais um dia se passou.
segunda-feira, 20 de abril de 2020
37º dia de isolamento social (COVID-19)
Em 2016, numa reunião no Parque Saúde de Lisboa, fiz por graça esta "auditoria" à passagem de aviões, ali mesmo baixinho visto estarmos quase ao lado do aeroporto.
Era assim muitos dias. E nós, durante as consultas e as reuniões, parávamos de falar uns segundos para nos podermos ouvir. Estávamos habituados, às vezes fazíamos um gesto com a mão, era quase normal. Muitas pessoas que iam à consulta pela 1ª vez ficavam admirados, perguntavam como aguentávamos. Depois...também elas se adaptavam nas consultas seguintes.
Mas agora, 2020, não há consultas presenciais, não há aviões e eu já estou aposentada.
Como será quando isto da pandemia acabar?
domingo, 19 de abril de 2020
36º dia de isolamento social (COVID-19)
Domingo tem sido o dia de concerto do meu neto F. É à hora do lanche, os vários ramos da família reunidas pelo skype aguardam. Hoje foi piano e flauta. F está no princípio e só tem uma aula de piano por semana com a professora, por skype agora, e também por esta modalidade moderna, uma de repetição comigo. E é engraçado como ele gosta de se exibir, vê-se que tem prazer. E nós também. Saltando por cima do chá e dos bolos que não conseguimos ainda partilhar, conversa-se, às vezes uns por cima dos outros, como também acontece ao vivo.
Hoje estava família de Paço de Arcos, 2 casas, São João do Estoril, Lisboa, 2 casas, Moçambique e Polónia.
Casa dos Pobres - um lar em Coimbra. Nunca tinha ouvido este nome se não tivessem hoje morridos 2 idosos com Covid 19. Fui procurar na internet, vai a caminhos dos 90 anos de existência. Imaginei que por essa altura...
Hoje estava família de Paço de Arcos, 2 casas, São João do Estoril, Lisboa, 2 casas, Moçambique e Polónia.
Casa dos Pobres - um lar em Coimbra. Nunca tinha ouvido este nome se não tivessem hoje morridos 2 idosos com Covid 19. Fui procurar na internet, vai a caminhos dos 90 anos de existência. Imaginei que por essa altura...
Já conhecia o nome Associação Protectora Florinhas da Rua - Instituição que acolhe crianças e jovens em desvantagem. Tem mais de 100 anos, o nome indiciava isso...
Será que um dia se podem renomear estas instituições?
sábado, 18 de abril de 2020
35º dia de isolamento social (COVID-19)
Grande conversa tem havido de como chamar docemente às pessoas mais velhas.
O grupo da minha Mãe que fazia viagens, almoços e encontros, auto-chamava-se de gerontes, de forma divertida.
No início do aparecimento deste vírus que nos tolhe a vida, a dra. Graça, com generosidade fala nas pessoas idosas que estão nos lares e que precisam de apoio familiar. Hoje esta posição foi criticada mas sabemos que apesar da falta das visitas foram infectadas e morreram já bastantes.
E pus-me a lembrar da minha prima Lu, mãe da minha prima Lena, que para mim era uma espécie de irmã. Inesperadamente a Lena morreu, estaria doente mas um medo irracional impediu-a de se tratar. Filha única, fica a mãe, sozinha.
A Lu estava na altura com um problema da marcha após uma queda. Não teve os cuidados de recuperação adequados e estava acamada.
Calhou-me a mim procurar um lugar onde ela poderia ficar, em casa não ia ser possível, e arranjei um bom lar, quarto próprio e várias actividades possíveis.
Todos os dias a fui visitar. Ela perguntava pela filha mas eu nunca fui capaz de lhe dizer que a filha tinha morrido. Que estava doente, que tinha melhorado, ou piorado de forma repetida. Não sei se fiz bem ou mal. Hoje questiono-me sobre isso. Acho que ela entendeu, ao fim dos tempos mas era tarde para lhe contar/confirmar. E a certa altura ficou agitada, dificuldade em dormir, praticamente sem falar, começou a recusar a comida até que morreu. Desistiu de viver, sem dúvida foi isso.
Voltando aos lares onde estão tantos nossos idosos, em circunstâncias muito piores do que a Lu, muitos estão à espera da morte. Não seria bom tentar acompanhá-los afectivamente até ao fim? Poderem, dentro de medidas adequadas de protecção terem visitas, filhos, netos, com quem pudessem conversar, rir, indo sabendo notícias lá de fora, das terras, dos vizinhos. É que vão morrer sozinhos, nem as famílias se poderão despedir deles. Muito duro!
Coisas do confinamento, hoje inscrevi-me no ZOOM para cantar os parabéns à Sofia que fez 11 anos. Um episódio da sua vida que esperemos não se repita.
Coisas do confinamento, hoje inscrevi-me no ZOOM para cantar os parabéns à Sofia que fez 11 anos. Um episódio da sua vida que esperemos não se repita.
sexta-feira, 17 de abril de 2020
34º dia de isolamento social (COVID-19)
Ontem foi prolongado até 2 de Maio pelo Presidente da Républica o confinamento. E o 1º Ministro falou que depois seriam abertas várias actividades, como creches, algumas lojas e outras actividades que não se podem realizar em tele trabalho.
Uma insónia esta noite, das 4 às 5 horas. Não é nada frequente e tem quase sempre um motivo que me preocupara e não me deixa dormir. Para além de beber um leite quente, costumo tentar analisar o que poderá ser. O confinamento, que de forma consciente vivo tão razoavelmente? O facto de o meu neto Vi estar ainda sem aulas? A perspectiva de o confinamento ser aberto, não sei em que condições a partir de Maio?
Liguei a televisão. Vi que em quase todos os países europeus isto vai acontecer e até mais cedo. A economia manda, entendo. Com as crianças em casa os pais ou um deles não pode ir trabalhar e a comida começa a escassear. Há razões económicas também para esta abertura.
E não teremos medo de sair, mesmo de máscaras agora obrigatórias em muitas situações?
Acabei por adormecer.
Comecei a ler Agosto do Rubem da Fonseca. Fiquei tão presa que apoiei menos o grupo covid-19 dúvidas respondidas por profissionais de saúde no FB.
Hoje recebi um telefonema de uma amiga a dizer-me que me tem seguido nesse trabalho e que tem achado que respondo bem. Na parte da minha especialidade que tenho ajudado bastante. Eu sei isso, já não sou criança a precisar de ser apoiada e elogiada mas sabe bem.
Sou muito primitiva e ignorante com o funcionamento dos computador, telemóvel e tablet. Tenho de tudo mas só quase servem como máquinas de escrever e de tirar fotos. E claro, de comunicação. Felizmente que tenho um amigo informático que me resolve os problemas por controlo remoto. Hoje o trabalho foi longo.
Falei bastante tempo com uma jornalista acerca do que penso sobre este situação, famílias e crianças.
33º dia de isolamento social (COVID-19)
Uma perda, morreu Luís Sepúlveda internado desde Fevereiro. Maldito Covid 19!
Tinha 70 anos e estava internado desde finais de Fevereiro.
Na minha estante encontro 6 livros "A Sombra do que
fomos", Crónicas do Sul, "Histórias daqui e dali",
"Encontro de Amor Num País em Guerra", "Patagónia Express"
e "Mundo do Fim do Mundo"". E onde estará a "História de
Uma Gaivota e do Gato que a Ensinou a Voar? Este li-o aos meus netos numas
férias. Ficavam presos a ouvir-me.
Este movimento de ir à minha estante fi-lo ontem à procura de livros do Rubem
da Fonseca, que também morreu, ontem, mas com quase 100 anos. Encontrei 2
livros "Agosto" e "Vastas Emoções e Pensamentos
Imperfeitos". Tinha decidido reler "Agosto", por prazer e como
homenagem.
Ambos premiados em Portugal. Agora com a morte do Luís Sepúlveda tenho muitos
livros para reler.
Ainda não começaram as aulas do meu neto mais velho que está no 9º ano. Os
miúdos estão em casa desde que começou a quarentena. Não é fácil que mantenham
há hábitos de estudo. Os avós decidiram então fazer umas conversas por skype. A
mim calhou-me o francês. Já estivemos quase 45 minutos a conversar e relembrar
palavras, verbos, construir frases. Tudo com base na conversação. Amanhã há mais,
vou estudar coisas relacionadas
quarta-feira, 15 de abril de 2020
32º dia de isolamento social (COVID-19)
Se andasse uns anos para trás e sabendo o que sei hoje, certamente teria mudado o rumo à minha vida em vários pontos. Seria fácil depois de saber como era a vida com aquela escolha. Mas isso é impossível, sei.
Por isso fico indisposta quando leio artigos a criticar a Directora Geral de Saúde Graça Freitas por ter afirmado coisas que não se verificaram a propósito do Covid 19. Mas alguém sabia alguma coisa de um vírus novo? E o Serviço Nacional de Saúde estava preparado? Algum pergunto eu? Foi-se conhecendo o bicho conforme os tempos avançaram, conhecimentos vindo de outros países que passaram também por esta situação. E o resultado em Portugal não tem sido nada mau. Mas a Graça Freitas é objecto de crítica, quase de destruição por uns a par de elogios.
Hoje o Luís Osório escreveu um excelente texto sobre ela na sua página de FB. Vou copiar e pôr aqui, vale a pena ler. Obrigada Luís por este postal, doce e lúcido que assino por baixo.
POSTAL DO DIA
Carta a Graça Freitas
1.
Não nos conhecemos. Na verdade, não me parece sequer que nos tenhamos cruzado em alguma circunstância. Mas tenho-a visto (eu e certamente a larga maioria dos portugueses) todos os dias a dar a cara pela evolução da pandemia no nosso país.
Não nos conhecemos. Na verdade, não me parece sequer que nos tenhamos cruzado em alguma circunstância. Mas tenho-a visto (eu e certamente a larga maioria dos portugueses) todos os dias a dar a cara pela evolução da pandemia no nosso país.
2.
Posso imaginar a pressão diária, mas apenas imaginar. Sem dúvida que se nota o cansaço, está mais magra, impossível não o notar. Dá-me ideia, admito desde já a especulação, que se irrita com algumas das críticas que lhe têm sido feitas, pressinto-lhe o enfado.
Posso imaginar a pressão diária, mas apenas imaginar. Sem dúvida que se nota o cansaço, está mais magra, impossível não o notar. Dá-me ideia, admito desde já a especulação, que se irrita com algumas das críticas que lhe têm sido feitas, pressinto-lhe o enfado.
É exatamente por isso que lhe escrevo.
Quero dizer-lhe que, face às circunstâncias, está a correr bem. Não ligue mais do que a conta à cólera da maledicência e à ignorância atrevida. Nunca se esqueça de que Portugal é o país de onde saíram os navegadores, mas também é o país em que ficaram os velhos do Restelo a dizer mal dos navegadores.
3.
Imagino que a irrite muito.
Imagino que a irrite muito.
De repente, a sua história e percurso não servem para nada.
Todo o trabalho de dedicação à saúde pública; a revolução que fez no sistema de vacinação português; as centenas de médicos a quem influenciou com as suas aulas na Faculdade de Medicina; o trabalho de sapa que permitiu que o seu antecessor brilhasse; os elogios internacionais pelo seu contributo nas reuniões do Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças.
Não, Dra. Graça Freitas, esqueça.
Para muitos comentadores, autarcas ou agitadores de redes sociais isso não interessa nada. De repente, são todos especialistas no que a senhora estuda há quarenta anos. São imunologistas, matemáticos, físicos e tudo o resto de que se faz o cardápio do grupo de trabalho que lidera.
4.
Errou várias vezes. Teve de alterar previsões. Disse uma coisa nuns dias e teve de se desdizer noutros. Imprudentemente falou demasiado cedo de situações que acabaram por não se concretizar – atenção que em política os murros na mesa nunca se anunciam, dão-se simplesmente. Por vezes falou com demasiada certeza, o que nunca é avisado.
Errou várias vezes. Teve de alterar previsões. Disse uma coisa nuns dias e teve de se desdizer noutros. Imprudentemente falou demasiado cedo de situações que acabaram por não se concretizar – atenção que em política os murros na mesa nunca se anunciam, dão-se simplesmente. Por vezes falou com demasiada certeza, o que nunca é avisado.
Mas pergunto-me se poderia ser de outra maneira? Existia alguém que pudesse antecipar o que iria acontecer antes de acontecer? Existiu algum precedente que pudesse ajudar a antecipar? Sei que não. E isso obrigou a navegar à vista, a corrigir em mar alto, a tentar que a viagem prosseguisse com o mínimo de danos.
5.
Ao ouvir determinadas pessoas a gritarem-lhe ao ouvido imagino o que seria se não estivesse a cumprir os objetivos. Imagino o que seria se Portugal tivesse os mortos (em proporção) de Espanha, Itália, Inglaterra ou França. Imagino o que seria se Portugal não fosse elogiado pelo New York Times, se o El País não nos definisse como os “suecos do sul” ou se tantos investigadores não estivessem a elogiar-nos pelo trabalho feito nesta primeira fase da pandemia. O que seria, Graça? Consegue imaginar?
Ao ouvir determinadas pessoas a gritarem-lhe ao ouvido imagino o que seria se não estivesse a cumprir os objetivos. Imagino o que seria se Portugal tivesse os mortos (em proporção) de Espanha, Itália, Inglaterra ou França. Imagino o que seria se Portugal não fosse elogiado pelo New York Times, se o El País não nos definisse como os “suecos do sul” ou se tantos investigadores não estivessem a elogiar-nos pelo trabalho feito nesta primeira fase da pandemia. O que seria, Graça? Consegue imaginar?
6.
Sei que gosta de cuidar das suas orquídeas, li algures. Aposto que também gostará de Confúcio que tratava as orquídeas com paixão e zelo. Gabava-lhes a beleza e a delicadeza. E foi Confúcio quem, muito a propósito, nos deixou a frase definitiva: “O que sabemos, saber que o sabemos. Aquilo que não sabemos, saber que não o sabemos: eis o verdadeiro saber.
Sei que gosta de cuidar das suas orquídeas, li algures. Aposto que também gostará de Confúcio que tratava as orquídeas com paixão e zelo. Gabava-lhes a beleza e a delicadeza. E foi Confúcio quem, muito a propósito, nos deixou a frase definitiva: “O que sabemos, saber que o sabemos. Aquilo que não sabemos, saber que não o sabemos: eis o verdadeiro saber.
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