sábado, 1 de maio de 2010

Aconteceu em viagem - 8 - Nelas

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(...) Quando se entrava na loja dele e se perguntava, por exemplo, se tinha sal, ou outra coisa qualquer, cera, ele dizia: "Não há sal. Há muito tempo que dei para isso do sal". Ou então: "não, mas o que é que julga? Cera, eu? Há muito tempo que dei para isso da cera." (...)
Esta conversa refere-se ao merceeiro e passa-se no livro de Margueritte Duras, "Os Cavalos De Tarquínia".
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Associei com uma cena hilariante passada há anos em Nelas, num café do largo principal. Esplanada de mesas postas, empregados vestidos a preceito, de avental muito comprido branco sobre roupa preta e colarinhos engomados brancos. Na parede um quadro de ardósia onde escrito a giz imensos petiscos eram anunciados.
O empregado chega e pedimos um deles, não sei qual. Ele vai lá dentro, volta e comunica-nos que aquele não havia. Escolhemos outro e a situação repete-se. A certa altura, entre o irritados e o perdidos de riso pedimos-lhe então que vá lá dentro se faz favor, saber o que há, o que o empregado cumpre e volta dizendo que não há nada, que o restaurante era novo e só abriria no dia seguinte.
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Rimos a bom rir! E começamos a olhar para os lados supondo ser uma situação para apanhados e descobrirmos uma câmara de filmar.
Mas não, era mesmo a sério, e tivemos de nos levantar e procurar outra que servisse alguma coisa.

sexta-feira, 30 de abril de 2010

Poema - Ana Salomé

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DIÁRIO
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A partir de agora, todo o poema que fale de amor, fora.
Todo o poema que não revolucione, fora.
Todo o poema que não ensine, fora.
Todo o poema que não salve vidas, fora.
Todo o poema que não se sobreviva, fora.
Vou deixar um anúncio no jornal:
Procura-se poeta. Trespasso-me.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Aconteceu...ler


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Já escrevi que consigo cumprir a missão que me foi confiada, ai desculpem, isto foi noutro sítio... dizia eu que consigo aguentar andar de bicicleta ou fazer passadeira no ginásio porque levo um livro e estou sempre a ler..

Percebi ontem que na hidroginástica fiquei conhecida pelas muletas que ainda usava no início, no ginásio por este afã de leitura.

Já li vários livros, algumas passagens de um ou outro foram mote para escrituração aqui..

Acho que não disse como escolho os livros para levar para lá.

Preciso que sejam razoavelmente estreitos para se segurarem lá no painel do aparelho e que tenham letras bem gordas para eu as conseguir ler.

Assim, e atendendo às características, vou à estante e escolho, e tenho repetido vários livros que já tinha lido, alguns deles há muitos anos..

Acabei ontem, "Vinte E Quatro Horas Da Vida Duma Mulher" de Stefan Zweig, numa edição da Livraria Civilização e que está assinado na 1ª página, com nome inteiro da minha Mãe e ainda Feira do Livro 1942.

Curioso que a Feira do Livro de Lisboa abre amanhã e eu não fazia a mínima ideia que já existia há 68 anos! Mas não sei se houve de forma continuada ou com interregnos..

Quando o li a 1ª vez, pensei que o autor fosse uma mulher. Talvez por simpatia com o título mas também pela forma maravilhosa como ele descreve os sentimentos da protagonista.

Na verdade, também a forma como descreve o protagonista viciado no jogo, adicto como se diz hoje, é exemplar. E que actual! A descrição das mãos, da mímica, da tensão, a crença mágica na sorte, a capacidade de prometer mudar mas a incapacidade de o fazer, como se parte de si próprio deixasse de se lembrar e reconhecer..

Mas que sorte poder reler algumas obras-primas da literatura. Porque o que está na moda é ler a novidade, encomendar antes de ser posto à venda, mas porquê, para quê se tanto aprendemos com a releitura de obras antigas. E quantas não teremos ainda por ler? .

Cada vez que relemos, nós próprios estamos noutra fase, temos outros olhos, outras possibilidades de entendimento, e por isso a releitura é muitas vezes uma nova leitura.

terça-feira, 27 de abril de 2010

Poema - A. M. Pires Cabral

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A ANDORINHA OU TUDO É RELATIVO
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Da andorinha dificilmente se dirá
que é um animal feroz. Pelo contrário,
convêm-lhe adjectivos como grácil.
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Mas a andorinha abre
para o mosquito uma boca aterradora.

domingo, 25 de abril de 2010

Aconteceu...numa reunião da Comissão de Moradores

Falta fazer uma recolha de situações cómicas e ridículas que aconteceram no post 25 de Abril, fruto de muito entusiasmo e uma liberdade ainda mal interiorizada.
Aqui vai uma história que vivi em 1974-75.
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A Comissão de Moradores de uma freguesia de Lisboa foi constituída meses mais tarde do dia que hoje festejamos. Bastantes membros, licenciados, militares, alguns trabalhadores e poucos operários. Eu era estudante universitária e havia mais alguns estudantes. Estavámos todos muito entusiasmados com o 25 de Abril e com a nossa função de pensar e o que fazer para melhorar a freguesia onde morávamos.

Assim, certa noite de reunião, que como de costume acabava de madrugada, chegámos à conclusão que o trânsito não estava bem ordenado, que havia ruas por onde os carros circulavam que não deveriam ter aquele sentido, outras nem deveriam permitir a passagem de veículos.

E se o pensámos, foi para pôr em marcha o projecto. Qual quê inserir essa ideia no projecto global da freguesia, articular com a Comissão Administrativa da Junta da Freguesia ou outra coisa qualquer! Pensou-se, está pensado e é para fazer já!

Saímos da reunião e fomos então "ordenar" o trânsito, arrancando os sinais de trânsito existentes do seu lugar e instalando-os onde as nossas cabeças bem pensantes tinham estabelecido.
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Agora imaginem o que foi de manhã, com as pessoas a sair de suas casas e a encontrarem os seus habituais caminhos todos trocados!