segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Aconteceu...está cinzento lá fora, não há sol nem ainda nasceram as estrelas

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"Simplesmente Maria" era o folhetim radiofónico que cerca de 40 anos ouvia quase religiosamente a seguir ao almoço
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Andava eu na faculdade, e como muitos outros colegas do meu curso, frequentava pouco as aulas teóricas. Íamos assistir às aulas práticas e pouco mais. Mais tarde, um mês ou ainda mais antes do exame, entrávamos em "estágio", fechando-nos para o mundo, quase com vendas nos olhos e algodão nos ouvidos para não nos distrairmos, a estudar e na data prevista íamos fazer o exame.
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Bom, mas havia uma excepção nesta maratona do estudo. É que a seguir ao almoço, fechados no quarto de estudo, eu e os colegas com quem me reunia para tornar a tarefa mais dinâmica e suportável, fazíamos uma pausa para ouvir esse folhetim. Eram momentos imperdíveis para nós.
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Sendo uma ouvinte tão assídua, curiosamente não me lembro de toda o enredo nem como acabou a peça radiofónica, mas sim do que sofríamos com a protagonista, a Maria, e com a vida dela. O namorado, de quem teve um filho super apaixonada que estava, sendo ela uma criada de servir e ele um estudante de Medicina, tocar-nos-ia em particular?
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Um destes dias, sintonizada num posto de televisão, percebi o porquê. Deu um programa em que foi falada esta rádio novela, falaram o seu produtor e vários actores, alguns dos quais me lembro de ter identificado a voz na altura. E foi referido que o 25 de Abril aconteceu e ainda a rádio novela estava no ar, mas que continuou até acabar.
Eu percebi então porque não me lembro do enredo todo e obviamente nada de como acabou.
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É que a partir desse dia de 1974, deixei certamente de estar atenta aquela história, e o interesse passou para a nossa História.
Só que o progresso conseguido desde então tem neste ano que agora acaba, levado uma enorme machada, pelas políticas seguidas.
Tristeza!
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Bom Ano, Feliz Ano Novo, Próspero (este voto a ficar fora de moda), Um Óptimo Ano, etc, etc, que não quero ser desmancha prazeres. Saúde, isso sim, e que encontremos dentro de nós o sol, a luz e as estrelas que não vemos cá por fora!

sábado, 1 de dezembro de 2012

Aconteceu...a revolta do gato Néguy hoje 1 de Dezembro, aniversário da Restauração da Independência

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Sábado, dia em que o despertador não precisa de me acordar. Faço-o quando o corpo e a mente pede, abro um olho, depois o outro, mas não me disponho a levantar. Pego no computador e leio os jornais, depois no livro que deixei marcado ao adormecer e por ali me fico saboreando o tempo.
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Mas eis que toca o telemóvel, avisando-me que chegou uma mensagem. Levanto-me devagarinho, quase praguejando por aquela interrupção, pego no telemóvel que tinha deixado na cómoda e ponho-me a ler. Então como é, hoje não se come nesta casa? Assinado Néguy.
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O gato revoltado, sozinho lá dentro à espera, um tempo de jejum que lhe deve parecer insuportável. Lá vou ter com ele e um miau de agradecimento se ouve. É que o meu gato, só sabe escrever como nós, de resto só mia, mas com uma entoação que é como se palavras dissesse.
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Aproveito e tomo também o meu pequeno almoço, posto que, me sento, pronta para ler um artigo técnico e chato, na mesa da sala. Como pano de fundo ouve-se Montserrat Figueras, no seu maravilhoso disco "La voix de l´emotion", disco de homenagem póstuma editado este ano.
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E aqui começa nova revolta do gato. Quer estar ao pé de mim, carente como sempre, mas também quer a réstia de sol que ilumina a mesa, razão pela qual escolhi aquele sítio. Eu e as páginas, bem iluminadas pelo sol que entra pela janela, ele e as mesmas páginas, tentando sentar-se-lhes em cima e receber o sol. Ambos disputamos o mesmo sítio. Digo-lhe que se vá, mia mas não se mexe, empurro-o, mia com entoação diferente mas volta e tapa-me o texto, olhando para mim com ar perplexo mas desafiador.
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Levanto-me, vencida, ando pela casa e ele segue-me como um cão. Vai comigo fazer a minha cama, e depois arrumar a cozinha, miando de vez em quando para que eu não me esqueça que ele está ali.
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Posto o que, volto à mesa e às minhas folhas cheias de letras.
O sol rodou e a mesa ficou à sombra. A música mantém-se, conseguirei agora ler?
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Quanto á minha independência, está visto que o meu gato não má quer dar.

sábado, 24 de novembro de 2012

Aconteceu...que cada macaco deve estar no seu galho

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Tou-tou, oiço numa voz fresca e despachada ao atender o telefone. Magda? pergunta. Sim sou eu, mas de quem será esta voz? Ela situa-me, lembrando-me que não apareci no banco apesar de avisada que lá deveria ir. Lá me justifico, peço-lhe que se identifique, diz-me fulana tal, a minha gestora de conta. E porque me continua a interpelar, a Magda quando pode passar por cá esta semana?, pergunto-lhe se nos conhecemos (lembro-me que era um homem, o meu gestor, entidade a que raramente recorro).  Não, de facto não, ela foi substituir o tal já há uns meses mas eu nunca apareci por lá. Informei-a pois que, não a conhecendo, tendo eu 60 anos e sendo a primeira vez que me fala, achava completamente insólito que me tratasse pelo meu nome próprio. Resposta da lambisgóia, estou a ver que não gosta de proximidades! ao que lhe respondi que não gosto é de falta de educação e que quanto às proximidades as escolho eu própria.
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Há uns tempos, uma amiga minha, foi internada para uma cirurgia no hospital onde trabalha. Pergunta do senhor enfermeiro ao preencher o papel "como quer que lhe chamemos, D. Maria ou Sra. Silva? Surpreendida, não se reconhecendo naquela identidade e fragilizada na sua nova posição, ser doente e não médica é uma volta de 180º, lá balbuciou que há mais de 30 anos que é trabalha lá no hospital, serviço tal, e que sempre foi conhecida pela Dra. Alice.
Resultado, passou a não ser nomeada, e até a ser evitada nos trabalhos e aconchegos pelos senhores enfermeiro, que é suposto ter naquelas condições.
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São inúmeros as situações desta tentativa de igualizar o que é necessariamente, chamem o nome que chamarem, diferente.
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Frequentemente encontro, na minha vida profissional, aqueles pais que recusam que eu lhes lembro que são pais. Apressam-se a emendar-me, afirmando que são é amigos. É um trabalho que há que ter, desmistificar este receio de serem responsabilizados, orientadores dos filhos, igualizando e por vezes quase fazendo desaparecer as gerações. Por detrás está por vezes uma enorme confusão entre autoridade e autoritarismo, uma recusa de serem como sentiram os seus próprios pais e os conflitos que terão vivido.
É que criam por vezes situações de grande confusão e das quais, algumas crianças e adolescentes se ressentem.
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Não sei se irei conhecer a tal gestora de conta. Há muitos balcões e com a informatização, certamente irei a outro.
 

domingo, 11 de novembro de 2012

Aconteceu...um espectáculo iluminado, "Iluminações"

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Há uma semana  a esta hora, eu estava no CCB (Centro Cultural de Belém, em Lisboa), a assistir a uma peça de teatro/dança/música (poderei pôr assim?) da companhia profissional residente "Companhia Maior". Esta tem a particularidade de ser composta por artistas com mais de 60 anos, alguns dos quais amadores que nunca tinham pisado o palco, embora o desejassem. Se não estou enganada, uma das artistas tem 88 anos.
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Desta feita, a peça, a 3ª que apresentam, chamava-se "Iluminações", onde textos sobre o envelhecimento e até a morte eram ditos pelos actores e pela encenadora.
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Logo de entrada, e depois de entrar pelo palco, assistimos a um prolongado arrumar e desarrumar de vários objectos que se encontram dispersos, e que a própria encenadora puxa aparentando por vezes algum esforço. Memórias, fragmentos de vida? A cena vai-se repetir já no fim, mas com a participação de toda a companhia.
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A representação, no dia em que fui, demorou pouco mais de 3 horas sem intervalo. Soube depois que na estreia tinha demorado 4 horas sem intervalo. Parece-me, "teoricamente" falando, um exagero.
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Tem momentos do ponto de vista estético muito bonitos, diria quase inesquecíveis, uma semana passada. A luz, as movimentações dos actores, os momentos de dança e alguns textos foram muito bonitos. A vivacidade, a sensualidade, a vontade, a resistência física, a desinibição são aspectos impossíveis de ignorar e de esquecer.
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No entanto, e agora vem a outra face no espectador, eu, foi um espectáculo com momentos muito aborrecidos. Textos demasiado longos, a despropósito (para quê ler o nome de todos os falecidos no desastre da ponte de Entre-os-Rios?), arrastados no tempo e no espaço, fizeram com que por várias vezes os actores ouvissem palmas. Terão pensado que eram aplausos pela cena acabada... ou alguns espectadores terão pensado que a peça estava a acabar? Isto ao fim de 2 horas de cena. Mas não, era mudança de cena e a representação logo continuava.
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Esta companhia tem por base certamente uma atitude anti-depressiva, e com isto não quero dizer que os actores estivessem deprimidos ou que seja uma actividade terapeutica. É sim uma posição positiva, um acreditar nos anos que vão chegar e acreditar que todas as idades podem ser vividas com qualidade e alegria. E muito bem!
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Quanto à duração, que penso não vem dos actores mas da encenação, que pensar? Uma revisão e bastantes cortes teriam tornado o espectáculo bem mais agradável durante a sua exibição.
Escolher, cortar, sintetizar que representa? Para além da escolha, da opção, por vezes difícil de fazer, representa ter de fazer uma opção, um "luto" do que deixamos para trás, uma despedida. Coisa que fazemos constantemente na vida, uns com maior facilidade, outros com menos, e por vezes com muito sofrimento.
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Como as crianças que hesitam entre deixar de ser crianças e serem adolescentes, ou estes últimos que por vezes acedem com dificuldade a serem adultos, ou como os pais que se agarram aos filhos, receando o seu crescimento, ou ainda como aqueles que ficam agarrados a um acontecimento da vida, e impedem-se de prosseguir e deixar as amarras desse passado.
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São divagações que me assaltaram, e que me fazem algum sentido.
O facto de hoje as lembranças da peça serem agradáveis e terem ficado marcados aspectos muito bonitos que guardo dentro de mim, fizeram-me pensar na dores de parto, que  se dizem das piores, mas que, logo que passadas se esquecem, ficando como marca não a lembrança como com esta peça, mas o bebé que iremos investir.
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Só mais uma nota, sendo uma peça com muita música e dança, não deveria o programa referir as peças musicais seleccionadas?

sábado, 3 de novembro de 2012

Aconteceu...solidão e amor perdido

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Sábado passado estava um dia lindo, com sol aberto, calor quanto baste. Não era dia para se ficar em casa.
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Saí e fui-me sentar num banco do jardim, virado para o sol. Começo a ler um artigo que tinha levado, quando oiço uma voz perguntar-me "podemos  sentar?". Levanto os olhos, uma senhora bem arranjada, talvez ainda sem meia centena de anos, e que trazia pela trela uma cadelinha minúscula toda branca e de laçarote rosa no alto da cabeça.
"Podemos?", sai-me pela boca fora, ao que ela me responde "sim, eu e a Ema, que também gosta e precisa", e sentaram-se, ela com a cadelita ao colo.
 
Continuo a minha leitura mas sou atraída para a conversa quase em murmúrio que ela vai tendo para a cadela. Fala como sobre se está bem ali "estás a gostar, não estás Ema?", sobre quem passa "aquela senhora olhou para ti, és muito linda!", ou tratando da cadela como se de uma criança fosse "queres águinha, não queres meu amor"?.
 
A certa altura levanta-se e vai pôr a cadela no relvado onde duas crianças muito pequenas jogam à bola com o pai. A Ema desata a correr e salta para cima de uma delas, que no máximo teria uns 3 anos e que desata num berreiro, assustada. Não fosse o pai pegar-lhe ao colo e a senhora nada faria. Só dizia à criança em pranto, "não tenhas medo, anda para o chão brincar com a Ema, ela gosta tanto!"
 
Não, a senhora não era louca, digo eu num diagnóstico feito à la minute. Certamente muito solitária, e até, quem sabe se com boas capacidades maternais...apesar da indiferença perante a reacção da miúda.
 
Há animais que são muito melhor tratados que crianças! E há tanta criança abandonada, a necessitar de uma família. Os preconceitos, as dificuldades  que existem para a adopção não deveriam ser revistas?
 
Nota : Não me levem a mal o último parágrafo, está escrito de forma leviana, superficial, telegráfica. Só que, cada vez mais, vejo  os animais serem promovidos a gente... e as gentes, a serem tratadas como bestas. 
 


domingo, 14 de outubro de 2012

Aconteceu...vida e morte

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Fez anteontem 40 anos que José António Ribeiro Santos foi morto. Estudante universitário ainda sem 20 anos de idade, militante contra a situação que em Portugal se vivia, recebeu balas disparadas pela PIDE, a polícia política de então, que atirou contra alunos, na faculdade.*
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Mas a minha recordação deste dia está intimamente ligada a isto por motivos muito pessoais.
Eu tinha 20 anos e o meu pai estava muito, mesmo muito doente, por doença cardíaca de que sofria e da qual, meia dúzia de anos depois veio a morrer.
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Em casa lá estava ele, deitado na sua cama, e eu a assistir à consulta do seu médico que mais uma vez e de forma incansável e generosa todos os dias lá ia. Como filha, mas também como estudante de medicina assistia às consultas, e aprendia alguns ensinamentos que, sempre didacta, o Dr. Vasco Ribeiro Santos me ia chamando a atenção, como quando ensinava os seus internos no serviço dos Hospitais Civis onde era director.
 
Pois o Dr. Ribeiro Santos era o pai do José António. Lá estava ele, mais uma vez, a tratar do meu Pai.
 
Agora as minhas memórias confundem-se, não havia telemóveis pelo que não foi na casa dos meus Pais que ele soube da morte do filho. Foi certamente depois. Mas esse trágico acontecimento coincidiu com a hora em que dedicadamente se debruçava sobre o doente, meu Pai, salvando-lhe a vida.
 
Salvou a vida do meu Pai, e a PIDE tirou a vida do filho. Nunca mais pude, emocionalmente, desligar estes dois factos.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Aconteceu..."grões igual a balas"

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É triste! Num mercado ao ar livre semanal no sul do país, procurei legumes secos. E não é que não os há semeados em Portugal?
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Semanas atrás, noutro mercado, desta vez ribatejano, reencontrei um produtor e vendedor de legumes que não via há bastantes anos. A propósito do grão e feijão que se lembrou que eu lhe costumava comprar, explicou-me que desde que a mãe morrera nunca mais tivera. Essa era a plantação dela. E avisou-me, cuidado que tudo o que anda aí, é estrangeiro. Só não me disse que de bem longe, hemisfério sul!

Fotos - Magda
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 Perú











Perú









México