sábado, 24 de novembro de 2012

Aconteceu...que cada macaco deve estar no seu galho

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Tou-tou, oiço numa voz fresca e despachada ao atender o telefone. Magda? pergunta. Sim sou eu, mas de quem será esta voz? Ela situa-me, lembrando-me que não apareci no banco apesar de avisada que lá deveria ir. Lá me justifico, peço-lhe que se identifique, diz-me fulana tal, a minha gestora de conta. E porque me continua a interpelar, a Magda quando pode passar por cá esta semana?, pergunto-lhe se nos conhecemos (lembro-me que era um homem, o meu gestor, entidade a que raramente recorro).  Não, de facto não, ela foi substituir o tal já há uns meses mas eu nunca apareci por lá. Informei-a pois que, não a conhecendo, tendo eu 60 anos e sendo a primeira vez que me fala, achava completamente insólito que me tratasse pelo meu nome próprio. Resposta da lambisgóia, estou a ver que não gosta de proximidades! ao que lhe respondi que não gosto é de falta de educação e que quanto às proximidades as escolho eu própria.
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Há uns tempos, uma amiga minha, foi internada para uma cirurgia no hospital onde trabalha. Pergunta do senhor enfermeiro ao preencher o papel "como quer que lhe chamemos, D. Maria ou Sra. Silva? Surpreendida, não se reconhecendo naquela identidade e fragilizada na sua nova posição, ser doente e não médica é uma volta de 180º, lá balbuciou que há mais de 30 anos que é trabalha lá no hospital, serviço tal, e que sempre foi conhecida pela Dra. Alice.
Resultado, passou a não ser nomeada, e até a ser evitada nos trabalhos e aconchegos pelos senhores enfermeiro, que é suposto ter naquelas condições.
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São inúmeros as situações desta tentativa de igualizar o que é necessariamente, chamem o nome que chamarem, diferente.
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Frequentemente encontro, na minha vida profissional, aqueles pais que recusam que eu lhes lembro que são pais. Apressam-se a emendar-me, afirmando que são é amigos. É um trabalho que há que ter, desmistificar este receio de serem responsabilizados, orientadores dos filhos, igualizando e por vezes quase fazendo desaparecer as gerações. Por detrás está por vezes uma enorme confusão entre autoridade e autoritarismo, uma recusa de serem como sentiram os seus próprios pais e os conflitos que terão vivido.
É que criam por vezes situações de grande confusão e das quais, algumas crianças e adolescentes se ressentem.
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Não sei se irei conhecer a tal gestora de conta. Há muitos balcões e com a informatização, certamente irei a outro.
 

domingo, 11 de novembro de 2012

Aconteceu...um espectáculo iluminado, "Iluminações"

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Há uma semana  a esta hora, eu estava no CCB (Centro Cultural de Belém, em Lisboa), a assistir a uma peça de teatro/dança/música (poderei pôr assim?) da companhia profissional residente "Companhia Maior". Esta tem a particularidade de ser composta por artistas com mais de 60 anos, alguns dos quais amadores que nunca tinham pisado o palco, embora o desejassem. Se não estou enganada, uma das artistas tem 88 anos.
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Desta feita, a peça, a 3ª que apresentam, chamava-se "Iluminações", onde textos sobre o envelhecimento e até a morte eram ditos pelos actores e pela encenadora.
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Logo de entrada, e depois de entrar pelo palco, assistimos a um prolongado arrumar e desarrumar de vários objectos que se encontram dispersos, e que a própria encenadora puxa aparentando por vezes algum esforço. Memórias, fragmentos de vida? A cena vai-se repetir já no fim, mas com a participação de toda a companhia.
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A representação, no dia em que fui, demorou pouco mais de 3 horas sem intervalo. Soube depois que na estreia tinha demorado 4 horas sem intervalo. Parece-me, "teoricamente" falando, um exagero.
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Tem momentos do ponto de vista estético muito bonitos, diria quase inesquecíveis, uma semana passada. A luz, as movimentações dos actores, os momentos de dança e alguns textos foram muito bonitos. A vivacidade, a sensualidade, a vontade, a resistência física, a desinibição são aspectos impossíveis de ignorar e de esquecer.
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No entanto, e agora vem a outra face no espectador, eu, foi um espectáculo com momentos muito aborrecidos. Textos demasiado longos, a despropósito (para quê ler o nome de todos os falecidos no desastre da ponte de Entre-os-Rios?), arrastados no tempo e no espaço, fizeram com que por várias vezes os actores ouvissem palmas. Terão pensado que eram aplausos pela cena acabada... ou alguns espectadores terão pensado que a peça estava a acabar? Isto ao fim de 2 horas de cena. Mas não, era mudança de cena e a representação logo continuava.
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Esta companhia tem por base certamente uma atitude anti-depressiva, e com isto não quero dizer que os actores estivessem deprimidos ou que seja uma actividade terapeutica. É sim uma posição positiva, um acreditar nos anos que vão chegar e acreditar que todas as idades podem ser vividas com qualidade e alegria. E muito bem!
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Quanto à duração, que penso não vem dos actores mas da encenação, que pensar? Uma revisão e bastantes cortes teriam tornado o espectáculo bem mais agradável durante a sua exibição.
Escolher, cortar, sintetizar que representa? Para além da escolha, da opção, por vezes difícil de fazer, representa ter de fazer uma opção, um "luto" do que deixamos para trás, uma despedida. Coisa que fazemos constantemente na vida, uns com maior facilidade, outros com menos, e por vezes com muito sofrimento.
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Como as crianças que hesitam entre deixar de ser crianças e serem adolescentes, ou estes últimos que por vezes acedem com dificuldade a serem adultos, ou como os pais que se agarram aos filhos, receando o seu crescimento, ou ainda como aqueles que ficam agarrados a um acontecimento da vida, e impedem-se de prosseguir e deixar as amarras desse passado.
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São divagações que me assaltaram, e que me fazem algum sentido.
O facto de hoje as lembranças da peça serem agradáveis e terem ficado marcados aspectos muito bonitos que guardo dentro de mim, fizeram-me pensar na dores de parto, que  se dizem das piores, mas que, logo que passadas se esquecem, ficando como marca não a lembrança como com esta peça, mas o bebé que iremos investir.
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Só mais uma nota, sendo uma peça com muita música e dança, não deveria o programa referir as peças musicais seleccionadas?

sábado, 3 de novembro de 2012

Aconteceu...solidão e amor perdido

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Sábado passado estava um dia lindo, com sol aberto, calor quanto baste. Não era dia para se ficar em casa.
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Saí e fui-me sentar num banco do jardim, virado para o sol. Começo a ler um artigo que tinha levado, quando oiço uma voz perguntar-me "podemos  sentar?". Levanto os olhos, uma senhora bem arranjada, talvez ainda sem meia centena de anos, e que trazia pela trela uma cadelinha minúscula toda branca e de laçarote rosa no alto da cabeça.
"Podemos?", sai-me pela boca fora, ao que ela me responde "sim, eu e a Ema, que também gosta e precisa", e sentaram-se, ela com a cadelita ao colo.
 
Continuo a minha leitura mas sou atraída para a conversa quase em murmúrio que ela vai tendo para a cadela. Fala como sobre se está bem ali "estás a gostar, não estás Ema?", sobre quem passa "aquela senhora olhou para ti, és muito linda!", ou tratando da cadela como se de uma criança fosse "queres águinha, não queres meu amor"?.
 
A certa altura levanta-se e vai pôr a cadela no relvado onde duas crianças muito pequenas jogam à bola com o pai. A Ema desata a correr e salta para cima de uma delas, que no máximo teria uns 3 anos e que desata num berreiro, assustada. Não fosse o pai pegar-lhe ao colo e a senhora nada faria. Só dizia à criança em pranto, "não tenhas medo, anda para o chão brincar com a Ema, ela gosta tanto!"
 
Não, a senhora não era louca, digo eu num diagnóstico feito à la minute. Certamente muito solitária, e até, quem sabe se com boas capacidades maternais...apesar da indiferença perante a reacção da miúda.
 
Há animais que são muito melhor tratados que crianças! E há tanta criança abandonada, a necessitar de uma família. Os preconceitos, as dificuldades  que existem para a adopção não deveriam ser revistas?
 
Nota : Não me levem a mal o último parágrafo, está escrito de forma leviana, superficial, telegráfica. Só que, cada vez mais, vejo  os animais serem promovidos a gente... e as gentes, a serem tratadas como bestas. 
 


domingo, 14 de outubro de 2012

Aconteceu...vida e morte

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Fez anteontem 40 anos que José António Ribeiro Santos foi morto. Estudante universitário ainda sem 20 anos de idade, militante contra a situação que em Portugal se vivia, recebeu balas disparadas pela PIDE, a polícia política de então, que atirou contra alunos, na faculdade.*
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Mas a minha recordação deste dia está intimamente ligada a isto por motivos muito pessoais.
Eu tinha 20 anos e o meu pai estava muito, mesmo muito doente, por doença cardíaca de que sofria e da qual, meia dúzia de anos depois veio a morrer.
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Em casa lá estava ele, deitado na sua cama, e eu a assistir à consulta do seu médico que mais uma vez e de forma incansável e generosa todos os dias lá ia. Como filha, mas também como estudante de medicina assistia às consultas, e aprendia alguns ensinamentos que, sempre didacta, o Dr. Vasco Ribeiro Santos me ia chamando a atenção, como quando ensinava os seus internos no serviço dos Hospitais Civis onde era director.
 
Pois o Dr. Ribeiro Santos era o pai do José António. Lá estava ele, mais uma vez, a tratar do meu Pai.
 
Agora as minhas memórias confundem-se, não havia telemóveis pelo que não foi na casa dos meus Pais que ele soube da morte do filho. Foi certamente depois. Mas esse trágico acontecimento coincidiu com a hora em que dedicadamente se debruçava sobre o doente, meu Pai, salvando-lhe a vida.
 
Salvou a vida do meu Pai, e a PIDE tirou a vida do filho. Nunca mais pude, emocionalmente, desligar estes dois factos.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Aconteceu..."grões igual a balas"

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É triste! Num mercado ao ar livre semanal no sul do país, procurei legumes secos. E não é que não os há semeados em Portugal?
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Semanas atrás, noutro mercado, desta vez ribatejano, reencontrei um produtor e vendedor de legumes que não via há bastantes anos. A propósito do grão e feijão que se lembrou que eu lhe costumava comprar, explicou-me que desde que a mãe morrera nunca mais tivera. Essa era a plantação dela. E avisou-me, cuidado que tudo o que anda aí, é estrangeiro. Só não me disse que de bem longe, hemisfério sul!

Fotos - Magda
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 Perú











Perú









México

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Aconteceu...que quase forrava o chão com um poema de Wislawa Szymborska


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Andava eu a forrar o chão com jornais velhos - preparava-me para pintar janelas com tinta esmalte - quando se me depara este poema de Wislawa Szymborska num jornal Público de Fevereiro 2012.
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Não, felizmente eu não morri. Mas ausento-me tantas vezes de casa, deixando o Néguy sozinho, que, ao lê-lo, me pus a pensar que se passará com o meu gato quando o deixo no apartamento sozinho? Quando me vou embora, percebe lindamente, logo que me vê a preparar as coisas. Fica mais parado, segue-me sem agitação e vejo-lhe um olhar triste. Pelo contrário, quando chego, aparece logo, às vezes ensonado, ainda com os olhos mal abertos, espera-me à porta de casa, cheirando tudo o que trago e deitando-se depois à porta do meu quarto para lhe fazer as festas atrasadas. Mas, e pelo meio o que se terá passado?
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A tradução foi de Manuel António Pina.
 
GATO EM APARTAMENTO VAZIO
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Morrer não é coisa que se faça a um gato.
Que há-de um gato fazer
num apartamento vazio?
Subir às paredes?
Roçar-se nos móveis?
Aparentemente não mudou nada
e no entanto está tudo mudado.
Continua tudo no seu lugar
e no entanto está tudo fora do sítio.
E à noite a lâmpada já não está acesa.
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Ouvem-se passos nas escadas,
mas não são os mesmos.
A mão que põe o peixe no prato
também já não é a que punha.
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Há aqui qualquer coisa que já não começa
à hora do costume,
qualquer coisa que não se passa
como devia passar-se.
Havia aqui alguém que há muito estava e estava
e que de repente desapareceu
e agora insistentemente não está.
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Procurou-se em todos os armários,
revistaram-se as estantes,
espreitou-se para debaixo do tapete.
Violou-se até a proibição
de desarrumar os papéis.
Que mais se pode fazer?
Dormir e esperar.
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Quando regressar, ele vai ver,
ele vai ver quando chegar.
Vai ficar a saber
que isto não é coisa que se faça a um gato.
Caminhar-se-à em direcção a ele
como que contrariado,
devagarinho,
com patas amuadas.
E nada de saltos ou mios. Pelo menos ao princípio.
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quarta-feira, 19 de setembro de 2012

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Escrever não é fácil. O branco do papel, agora transformado em écran, é inibitório. As regras da organização do texto, esquemáticas, são inibitórias mas, dizem, essenciais para uma boa qualidade do texto.
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Há quem escreva de um jacto. É verdade, sei-o por experiência própria, nomeadamente quando tenho algum escrito técnico para fazer e que ando bastante tempo com o assunto na cabeça. Por vezes, quando me sento, as ideias expostas em frases aparecem, quase organizadas. Mas isto acontece quando mastigo longamente os assuntos.
Ora aqui no blog, nem sempre é assim. Os textos são, na maior parte das vezes, resultado de um flash, uma vivência quase superficial de uma qualquer coisa. Nem sempre suficientemente interessante, nem bem escrita. E isso deixa-me descontente.
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O tempo, que retiramos para a escrita, nem sempre existe. É necessário criá-lo e por vezes isso é difícil.
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Admiro quem escreve diariamente, com uma escrita escorreita, e com assunto suficiente para interessar.
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Tenho andado muito pouco por aqui. É preciso um pouco de organização para meter no tempo disponível tanta coisa como as que desejo. Mas está-me a apetecer, vou ver se me organizo.