domingo, 25 de março de 2012

sábado, 17 de março de 2012

Poema - Ana Luísa Amaral

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GATO EM APONTAMENTO QUASE BARROCO E DE MANHÃ DE SÁBADO

Gentilmente curvado sobre a flor,
Percorre devagar nervura e centro.
E em tantos delicados argumentos
Vai avançando lentamente as folhas.

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A cabeça pondera e repondera
Defronte a haste fácil, rente a terra,
E uma pedra minúscula e serena
Sobe no ar, acesa como fera.

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Não conhece os segredos do soneto,
Sendo de ofício muito ignorado
A sua arte. E em curto minuete:

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Uma garra afiada em pé de valsa,
Um dente a desdenhar a flor e a folha
E a cravar-se, feroz, na minha salsa.

domingo, 11 de março de 2012

Aconteceu...domingo de sol mais uma vez e eu de chamada

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Há mais de trinta anos fiz eu os primeiros serviços de urgência médica solitária. Adeus às equipes, com pessoas com vários graus de conhecimentos. Adeus aos exames complementares de diagnóstico, (ali só conseguíamos, graça à boa vontade de um auxiliar, fazer radiografias a ossos longos em pessoas magras).
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O hospital, oferta de um brasileiro à sua terra, era grande e estava razoavelmente preparado. Só que só tinha uns médicos com 2 anos de formação. 
Refiro-me ao tempo do Serviço Médico à Periferia, criação já do pós 25 de Abril.
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Situava-se num sítio alto, e a dois passos, era uma vista maravilhosa que se abarcava, do Alto Douro, hoje vinhateiro e património mundial. Mas nos dias de urgência, nem isso víamos, nem isso apreciávamos.
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As estradas eram antigas e muito más.
Os quilómetros, feitos em estradas estreitas, de curva e contracurva, demoravam uma imensidão de tempo, quer para quem ia no carro a apitar, ou na ambulância, quer para o médico novato que sabia, porque o som se propagava desde longe, que um doente ia chegar muito tempo antes disso acontecer.
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Para nós, inseguros face às responsabilidades que carregávamos, era um tempo longo, longo, parecia nunca mais acabar. Uma angústia enchia-nos o peito e éramos assaltados por milhares de dúvidas. No entanto, e quando o doente chegava, uma parte lúcida de nós próprios invadia-nos e lá estávamos prontos para dar o melhor de nós.
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Hoje estou de rectaguarda de urgência, o que chamamos estar de chamada. Lá no hospital, colegas mais novos sabem que podem contar connosco em caso de dúvida. O trabalho em equipa é mais seguro, podíamos dizer que é "com rede".
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No entanto, naquelas terras e nos anos 70-80, a população desacompanhada, sentiu-se privilegiada com os nossos serviços...mesmo sem rede.

quinta-feira, 8 de março de 2012

Poema - António Gedeão

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CALÇADA DE CARRICHE
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Luísa sobe,
sobe a calçada,
sobe e não pode
que vai cansada.
Sobe, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe
sobe a calçada.

Saiu de casa
de madrugada;
regressa a casa
é já noite fechada.
Na mão grosseira,
de pele queimada,
leva a lancheira
desengonçada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Luísa é nova,
desenxovalhada,
tem perna gorda,
bem torneada.
Ferve-lhe o sangue
de afogueada;
saltam-lhe os peitos
na caminhada.
Anda, Luísa.
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Passam magalas,
rapaziada,
palpam-lhe as coxas,
não dá por nada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Chegou a casa
não disse nada.
Pegou na filha,
deu-lhe a mamada;
bebeu da sopa
numa golada;
lavou a loiça,
varreu a escada;
deu jeito à casa
desarranjada;
coseu a roupa
já remendada;
despiu-se à pressa,
desinteressada;
caiu na cama
de uma assentada;
chegou o homem,
viu-a deitada;
serviu-se dela,
não deu por nada.
Anda, Luísa.
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Na manhã débil,
sem alvorada,
salta da cama,
desembestada;
puxa da filha,
dá-lhe a mamada;
veste-se à pressa,
desengonçada;
anda, ciranda,
desaustinada;
range o soalho
a cada passada;
salta para a rua,
corre açodada,
galga o passeio,
desce a calçada,
desce a calçada,
chega à oficina
à hora marcada,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga;
toca a sineta
na hora aprazada,
corre à cantina,
volta à toada,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga,
puxa que puxa,
larga que larga.
Regressa a casa
é já noite fechada.
Luísa arqueja
pela calçada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada,
sobe que sobe,
sobe a calçada,
sobe que sobe,
sobe a calçada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Poema - David Teles Pereira

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PARÁBOLA DA CULINÁRIA MEDITERRÂNEA
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A poesia é como as ovas de ouriço-do-mar
sabe melhor com um pouco de acidez

domingo, 19 de fevereiro de 2012

Acontece...que as memórias têm de ser regadas.

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Numa moradia recuperada, discreta, bonita e muito,agradável para o visitante, está situada na cidade da Horta a Casa Museu Manuel de Arriaga de onde o que veio a ser o 1º Presidente da Republica portuguesa era originário.
Fotos, vídeos, material impresso, depoimentos visionados, ali se fala da queda da monarquia, da implantação da Republica e da história da 1ª Republica.
Nada mais oportuno para se visitar nesta altura, aberta em Novembro de 2011, poucos meses antes do Governo abolir o feriado comemorativo do 5 de Outubro 1910, e nesta altura de crise.
Discordo destas atitudes restritivas como a abolição dos feriados comemorativos de datas importantes. São empobrecedoras da memória colectiva. Se mesmo agora com o feriado há quem não saiba nada da nossa história passada, com a abolição dos feriados, dias de descanso ou de festejo, imagino que a situação agravará ainda mais.
É bom não esquecer a importância das marcas na organização do pensamento. E das festas, como função terapêutica antidepressiva.