domingo, 7 de novembro de 2010

Aconteceu...somos muito importadores...

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Temos uma grande capacidade de entender o outro. Vamos a Espanha e percebemos o espanhol. Eles a nós, nada. Vamos a Itália e tentamos entender alguma coisa de italiano. Eles, a nós, nada. Vamos ao Brasil e entendemos o brasileiro. Eles a nós, à primeira nada, à 2ª perguntam se somos italianos. Temos de os ajudar e tentar falar abrasileirado. Se lhes dissermos bom dia, sabe onde fica o metro? nada. Temos de repetir abrasileirando Oi môço, porr favorr, o metrô? Joía, obrigado.
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Ouvir falar durante todo o dia é a minha profissão e a linguagem uma das minhas armas terapêuticas.
Reparei já há bastante tempo que os meus doentes, pais e filhos, de uma maneira geral não sabiam conjugar os verbos. Dizem por exemplo, eu disse a ela, ao referirem-se à conversa que tiveram com a professora, eu falei a ele, nas conversas com o filho e outras conjugações estranhas. Dei por mim a falar assim de vez em quando para logo emendar, preocupada com o contágio de quem não estudou muito e lê pouco ou nada bons autores portugueses ou boas traduções.
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No concurso dos Ídolos, ouvi um dos membros do júri dizer para um concorrente que não cantava bem "isto não é a tua praia". Achei estranho, certamente uma nova expressão idiomática, pensei.
Sempre tivemos bichas que se formam enquanto esperamos qualquer coisa, tivemos, porque hoje todos dizem filas, não vá algum brasileiro homossexual estar por perto e ofender-se.
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Será que hoje em dia o português e o brasileiro são mesma língua, ou hoje são línguas diferentes? Uma pancada de chuva é a nossa chuvada, uma dúzia de rissoles são doze dos nossos rissóis, e se for só um será rissole, ônibus em vez de autocarro, celular em vez de telemóvel e tantos, tantos outros exemplos. E não podemos perguntar se estão a perceber, teremos de dizer entender e de preferência entendjer.
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Pois agora ficou muito mais claro para mim! Sabia que muitos nomes das crianças de hoje são influência dos nomes dessas inúmeras telenovelas brasileiras que diariamente entram pelas casas.
Mas também andamos a importar as expressões idiomáticas assim como construções frásicas. A importar do Brasil.
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Português e brasileiro parecem, à parte origem longínqua comum, estarem muito diferentes. Para quê acordar uniformizações?

sábado, 6 de novembro de 2010

Aconteceu...foto - Um brinde à beleza

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.................................Foto - Magda

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Poema - Vinicius de Moraes

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CINEPOEMA
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O preto no branco
Manuel Bandeira
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O preto no branco
A branca na areia
O preto no banco
A branca na areia
Silêncio na praia
De Copacabana.
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A branca no branco
Dos olhos do preto
O preto no branco
A branca no preto
Negor absoluto
Sobre um mar de leite.
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A branca de bruços
O preto pungente
O mar em soluços
A espuma inocente
Canícula branca
Pretidão ardente.
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A onda se alteia
Na verde laguna
A branca se enfuna
Se afunda na areia
O colo é uma duna
Que o sol incendeia.
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O preto no branco
De espuma da onda
A branca de flanco
Brancura redonda
O preto no banco
A gaivota ronda.
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O negro tomado
Da linha do asfalto
O espaço imantado:
De súbito um salto
E um grito na praia
De Copacabana.
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Pantera de fogo
Pretidão ardente
Onda que se quebra
Violentamente
O sol como um dardo
Vento de repente.
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E a onda desmaia
A espuma espadana
A areia ventada
De Copacabana
Claro-escuro rápido
Sombra fulgurante.
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Luminoso dardo
O sol rompe a nuvem
Refluxo tardo
Restos de amarugem
Sangue pela praia
De Copacabana...

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Aconteceu...em viagem, nomes bons para jogos de palavras

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A auto-estrada São Paulo Rio de Janeiro, tem um rígido controle da velocidade, que no máximo é de 120, mas pode uns metros à frente passar a 80 e logo de seguida a 100 km/hora. Há frequentes postos da polícia. Funciona a "lei seca", um copo de cerveja já acusa no aparelho da polícia. Diz que houve franca diminuição de acidentes com estas medidas.
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Atravessam-se extensas zonas variadas, de serra e de pasto agora seco.
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O carro é sobrevoado por bandos de aves de rapina pretas, asas grandes. São urubus, aves necrófilas, que procuram cadáveres para se alimentar.
Nos pastos vêm-se muito gado. Chamou-me a atenção umas vacas brancas, semelhantes às sagradas indianas. Também estas estavam esqueléticas, o que me espantou. São de facto bois nelori, uma raça zebuína, a mesma das indianas. Gostam do calor e dão-se bem por aqui. O gado no Brasil alimenta-se de pasto, e não de ração, e o facto de se estar numa época "entre safra" faz com que agora não estejam prontos para a engorda. Parece que esta raça nunca ficará gorda como outras qualidades de bois, mas que a carne é muito saborosa.
O Brasil é um grande produtor de carne de vaca. Com os inúmeros puns das mesmas, contribui certamente bastante para o aquecimento global.
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Placas para sair da auto-estrada, com nomes de terras vão aparecendo, umas bem portuguesas como Queluz, Resende ou Penedo.
Outras de origem índia como Itaquaquecetuba, Caraguatatuba, Caçapava, Pindamonangoba, Guaratingueta.
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E pronto, toca a jogar à forca e ganhar.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Aconteceu...arte urbana

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...................................Foto - Magda

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Poema - Manoel de Barros

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EXPERIMENTANDO A MANHÃ DOS GALOS

... poesias, a poesia é

- é como a boca
dos ventos
na harpa

nuvem
a comer na árvore
vazia que
desfolha a noite

raíz entrando
em orvalhos...

floresta que oculta
quem aparece
como quem fala
desaparece na boca

cigarra que estoura o
crepúsculo
que a contém

o beijo dos rios
aberto nos campos
espalmando em álacres
os pássaros

- e é livre
como um rumo
nem desconfiado...

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Aconteceu...em viagem, ele há cada história!

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No avião rumo ao Rio de Janeiro, sentou-se a meu lado um homem de meia-idade, aspecto simples e rural.

Ainda estávamos em terra, e toca o telemóvel dele. Ouvi-o atender e surpresa, dar ordens sobre a rega dos tomates e dos pimentos, com pormenor de horário e quantidade de rega.

Manteve o telemóvel ligado e já no ar um novo telefonema e as ordens eram sobre a rega dos pepinos. Confesso que fiquei perdida de riso...e de curiosidade.
Como nenhum tripulante lhe deu nenhuma indicação directa sobre medidas de segurança como o desligar do telemóvel, disse-lhe eu. Ficou aflito e desligou-o, e aproveitou para me contar a sua aventura. Era a primeira vez que andava de avião.


Era de uma aldeia do centro do País e nunca tinha viajado mais do que uns quilómetros em roda da sua terra. Pequeno agricultor, tinha empregado para trabalhar consigo uma brasileira. Aqui falou de uma maneira especial, baixou a voz como se de um segredo se tratasse. Só que ela, na semana anterior, sem aviso prévio e sem que ele percebesse o porquê quis voltar para o Brasil. Disse-me que ela lhe fazia muita falta, tinha quase chorado, implorado para que ficasse, mas ela tinha partido.

Uns dias depois ela telefonou-lhe, arrependida, queria voltar para Portugal, pediu-lhe que ele a fosse buscar. Com o coração aos pulos, dispôs-se a ir, sem hesitar. Arranjou um vizinho que lhe ia tratar de regar as hortas durante a sua ausência. E lá estava ele, já com dois bilhetes comprados de volta para dois dias depois.
Não sabia onde ela se encontrava, só tinha o número do telemóvel. À saída desejei-lhe boa sorte.
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A brasileira tinha-lhe dado a volta ao coração...e à cabeça.
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Quanto aos tomates, pimentos e pepinos, esperemos que o vizinho tenha sabido cuidar.