sábado, 31 de julho de 2010

Poema - Fernando Pinto do Amaral

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OLHAR
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Entre o dia que morre
e a noite que vem
uma lágrima escorre
no silêncio de alguém
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- silhueta que vi
e ainda me seduz
ao passar por aqui
como um raio de luz
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cada vez mais perdido
do seu resto de sol
agora adormecido
nesta sombra que engole
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cada último passo
a caminho do nada
como se nenhum espaço
fosse a minha morada

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Aconteceu...ligações psicológicas perigosas entre mães e filhos

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(...) O soldado Milty telefona do Japão. "Mamã", diz ele, "é o Milton, tenho óptimas notícias! Conheci uma rapariga japonesa maravilhosa e casámo-nos hoje. Assim que for desmobilizado levo-a aí a casa, mamã, para vocês se conhecerem." "Pois claro", diz a mãe, "tens de a trazer cá." "Oh, óptimo, mamã", diz o Milty, "óptimo - só que estou agora a pensar, o teu apartamento é tão pequenino, onde é que eu e a Ming Toy havemos de dormir?" "Ora!", diz a mãe, "na cama, claro! Onde é que havias de dormir com a tua noiva?" "Mas então onde é que tu dormes, se nós dormimos na cama?" Tens a certeza que há lugar para nós, mamã?" "Oh Milton querido, por amor de Deus", diz a mãe, "está tudo bem, não te preocupes, há lugar de sobra: assim que desligares o telefone, vou-me matar."(...)
in O Complexo de Portnoy de Philip Roth
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Cristiano Ronaldo "apareceu" com um filho...sem mãe. O facto de dizer que a mãe do bebé foi uma barriga de aluguer, tem de ser visto como uma exclusão (real e psicológica) da existência da mãe. Não será possível à criança fantasiar sobre ela, uma vez que não existe.
A mãe do futebolista veio dar uma ajudinha à compreensão simbólica da situação quando terá afirmado para uma revista cor de rosa "O meu neto é parecido com o pai e com a avó".

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Poema - Nuno Júdice

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ACORDAR
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Um dia, quando começa, parece igual aos
outros. A mesma luz que entra pela janela,
ruídos de obras e automóveis, vozes... Mas
o que nesse dia me falta é outra coisa: a tua voz, a surpresa de cada instante que me dás,
uma luz diferente que não vem de fora, da
mesma rua e do mesmo céu, mas de dentro
de ti. Assim, o que faz a mudança do mundo
e das coisas não é o mundo nem as coisas:
somos nós, e a relação que nos prende um ao
outro - isso que, não sendo nada para fora
de nós, é tudo o que temos nesta vida.

terça-feira, 27 de julho de 2010

Aconteceu...Exposições de Júlio Pomar e Graça Morais


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As recuperações das cidades, de edifícios, castelos, a criação de museus e outros equipamentos começam a melhorar a qualidade de vida no interior.
Tinha lido no jornal que ia ser inaugurada uma exposição do Pomar - Uma antologia -no Centro de Arte Contemporânea Graça Morais, em Bragança. Estando já no centro do país, resolvi dar lá um salto.

O edifício, antigo e bonito, recuperado pelo Arquitecto Souto Moura, com resultado muito bom, tornou o espaço muito agradável. Aliás foi reconhecido e premiado internacionalmente.

A exposição, grande, acompanha os vários períodos ou fases do Pomar, e, apesar de já ter visto várias mostras, é sempre um grande prazer. Desenho, pintura e escultura.
Obras desde os anos 40 a 2007.

Gosto muito destas manchas significativas.



Noutras salas, "Retratos e Auto Retratos" da Graça Morais



Uma volta pela cidade, o castelo com as casas e ruas recuperadas, valeu bem este passeio.

domingo, 25 de julho de 2010

Poema - António Cabral

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AQUI, O HOMEM

Nem Baco nem meio Baco!:
Aqui é o homem,
desde as mãos ossudas e calosas,
desde o suor
ao sonho que transpõe as nebulosas.

Montes de pedra dura,
gólgotas
onde os geios são escadas!
Venham ver como sobe o desespero
e a esperança, de mãos dadas.

É o homem.
Isso é o homem.
– Nem sátiro nem fauno –
Uma vontade erguida em rubro gládio
que ganha a terra, palmo a palmo.

Vinhas que são o inferno,
o único
em que o fogo é a taça da alegria!
Venham ver um senhor
grandioso como o sol ao meio-dia.

Nem Baco nem meio Baco!:
Aqui é o homem
que nada há que não suporte
mas suporta e persiste.
Aqui é o homem até à morte.