domingo, 7 de fevereiro de 2010

Poema - Alexandre O ´Neill

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BREVE

Bom, diz ele,
dia!, diz ela.

Vamos?, diz ele,
Não!, diz ela.

Que há?, diz ele,
Nada!, diz ela.

Então, diz ele,
adeus!, diz ela.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

aconteceu ... a propósito de uma notícia -3

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"Um moto taxista de Pequim deixa o filho preso com correntes a uma árvore na capital chinesa para poder ir trabalhar. Dizem que a mulher é débil mental, que já uma filha de 4 anos lhe foi roubada sem nunca mais aparecer e que não pode usufruir das creches do estado por ser migrante interno." (Diário de Notícias de ontem.)
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Não se pense que casos destes só acontecem na China.
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Conheci há muitos anos uma criança que vivia fechada num galinheiro.
Há meia dúzia deles conheci um jovem que ficava no carro à porta da loja onde a mãe trabalhava como empregada de balcão..

Ambos eram portadores de deficiência mental com graves alterações do comportamento e nenhuma instituição os tinha aceite, apesar do esforço dos serviços competêntes.
Uma reportagem na televisão serviu para comprometer e envergonhar um responsável de uma grande instituição e que com rapidez conseguiu vaga onde antes não a havia..

Esperemos que alguma coisa mude para esta criança chinesa, e que possa ficar protegido durante o trabalho do pai, integrado numa escola com educadores e crianças com quem possa brincar ou da forma que um estudo da situação determine.
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Eventualmente por mecanismos de defesa meus contra os sentimentos incómodos que esta notícia nos provoca, lembrei-me do Perspicaz, história bem mais divertida.
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Quando eu era adolescente, ao ir e vir do Liceu, reparava num jovem mais velho que eu, que estava frequentemente à porta da pastelaria lá do bairro.

Chamava a atenção o ser giro, alto, e bem vestido, sempre de camisa e blaser e um lenço de seda que lhe tapava muito bem o pescoço.
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Anos mais tarde vim a conhecê-lo e soube da sua história.

Estudar não era das coisas que mais gostava.

Gostava de conviver, tocar e cantar, e não queria fazer nenhum curso como a família desejaria.

Fazia também umas pequenas patifarias como retirar um objecto de casa para vender quando precisava de dinheiro extra e deixava um papel dizendo "o Perspicaz atacou", que mais tarde passou a "o Perspicaz voltou a atacar".

Descoberto o Perspicaz, tinha de ter um castigo. Quando não tinha aulas tinha de ficar fechado em casa.

E para ter a certeza que o mesmo era cumprido, o pai atava-lhe uma trela ao pescoço e a um pé da mesa da sala.

Ficando a sós, o Perspicaz resolvia bem o assunto, levantava o pé da mesa, e enrolava a coleira à volta do pescoço que ficava cuidadosamente tapada pelo tal lenço, e lá ia ele para a rua..

Passado o período por vezes complicado que é a adolecência, tudo correu bem e pela vida fora recomendou-se.
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Teve sorte, que se hoje se alguém soubesse, o caso teria sido participado a uma comissão de protecção de crianças e jóvens em risco, teriam recorrido a serviços de saúde mental infantil e juvenil, e esperemos que não tivesse sido retirado à família por maus tratos.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Poema - João Melo

A MINHA CASA
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A minha casa tem uma mesa e seis cadeiras,
dois sofás pachorrentos,
raras flores e uma estante.
Em cima da estante, livros
e um boneco grotesco trazido do Peru,
que me olha
como se o intruso fosse eu.
Eu entro e saio todos os dias da minha casa,
mas só a vejo em dias como hoje,
quando ela está vazia e silenciosa.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Desenho - 2 - Vicente

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Desenho do Vicente, neto-artista de 4 anos e 8 meses que tem decorado o gesso do meu pé. Ainda se vê um bocadinho do joelho dele, em pijama, num descanso da pintura do "mural".
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Num lindo dia de sol, um dinossauro que está perto duma árvore, vai tentar chegar às folhas para as comer.
O sol é uma estrela porque brilha assim, pisca. Mas lá por cima no céu está outro planeta. Cá em baixo é uma grande pedra.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Poema - Nuno Júdice e escultura de Richard Serra


.....................ROTAÇÃO

É nos teus olhos que o mundo inteiro cabe,
mesmo quando as suas voltas me levam para longe de ti;
e se outras voltas me fazem ver nos teus
os meus olhos, não é porque o mundo parou, mas
porque esse breve olhar nos fez imaginar que
só nós é que o fazemos andar.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Aconteceu...hoje - 2

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Já posso adormecer descansada. Ao fim de tanto tempo à espera, a cola-de-osso finalmente apareceu.
E já começou a trabalhar.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Aconteceu...a propósito de saudades


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Ao ouvir uma entrevista a um jornalista português que viveu alguns anos no estrangeiro e perante a pergunta do entrevistador de como é viver longe de Portugal, oiço como resposta que nunca tinha gostado de fado.
Acrescenta no entanto, e que já depois de estar instalado lá longe, comprou um galo de Barcelos para pôr na cozinha e aprendeu a lenda sobre o mesmo.
Referiu os amigos estrangeiros que iam a sua casa achavam o galo uma peça muito curiosa.
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Chegado o fim da entrevista, não fiquei a perceber se o galo representara para ele simbolicamente Portugal de forma sentida, ou se fora mais uma espécie de folclore.

Quando se fala em saudades frequentemente é referida a comida.

Nas minhas visitas aos amigos que estão longe, comida e vinhos portugueses fazem sempre parte das encomendas. Vinhos tinto e branco, vinho do Porto, enchidos, queijo da Serra, pasteis de Belém, queijadas de Sintra, são algumas das coisas que são apreciadas.

Aqui há uns anos, mais de 20, fiz uma viagem para Bordeus de camionete. Para além de mim que ia passar uns dias de férias para um hotel, e não tinha lá ninguém conhecido, a camionete ia cheia de emigrantes ou familiares que iam visitar os parentes. Na fronteira de entrada para França os guardas fronteiriços mandaram-na parar e fizeram uma vistoria severa. Apareceram dezenas de garrafões, de azeite e vinho, bacalhaus, alheiras e outros enchidos, bolos reis, regueifas, um sem número de alimentos que ao saborear nos remetem para a nossa terra.

A alimentação é o protótipo da relação primária humana. Ainda antes de ser compreendida como mãe, pessoa diferente do bebé, que tem coisas que gostamos e outras que não gostamos, a mãe é "percebida" como uma mama, que é boa quando satisfaz e má quando o não faz. Ele não me come nada, dizem certas mães de filhos já crescidos, confundindo-se ainda elas próprias com a comida.
Certas crianças são um martírio para comer em casa. Fazem-no rápidamente se fora de casa como na escola ou na casa da vizinha, onde as relações conflituais não estão presentes.
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Percebe-se a importância do factor emocional na avaliação tão frequente de, pela vida fora, se poder achar que certas comidas nunca ficam a saber igual às que as mães faziam.
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Certos alimentos e paladares, podem refletir o recordar e reviver experiências afectivas agradaveis.
E coitado de quem não as tem.